Macau, China, 24 dez (Lusa) - Dez anos depois de uma das maiores tragédias da Ásia, o sismo seguido de tsunami de 26 de dezembro de 2004 continua ainda bem presente na memória de residentes de Macau que estavam na Tailândia.
Fátima Cid, antiga jornalista, e Irina Carvalho, funcionária da Administração de Macau, estavam em locais diferentes do país dos sorrisos, mas guardam na memória cenários idênticos: "destruição total" e uma tragédia que muito dificilmente alguém esquecerá.
"Lembro-me de tudo. Está tudo presente na minha memória", diz Fátima Cid recordando que estava num hotel na praia de Patong, em Puket, na Tailândia, mas naquele dia decidiu ir até à praia de Karon, na mesma zona, mas alguns quilómetros mais à frente.
À chegada à praia, Fátima Cid lembra-se "perfeitamente", uma frase muito repetida ao mesmo tempo que as lágrimas ainda correm no rosto, "de haver uma extensão enorme de areia molhada, portanto o mar tinha recuado".
De repente, continuou, ouve dois apelos em inglês, mas pensou que se tratava de uma bricadeira. Não era. Os pés ficam molhados e Fátima Cid é envolvida no turbilhão de água ficando submersa dentro de uma pequena casa na praia.
"Está tudo muito presente ainda", acrescenta emocionada e virando um pouco a página das horas que se seguiram. Fala do regresso a Macau e de ter acordado no chão num movimento como se estivesse a nadar. Tinham passado dois dias da tragédia em que se viu envolvida.
Não fossem assuntos que tem de tratar em Portugal e Fátima Cid regressaria este ano a Puket, para perceber como "enfrenta a situação" porque ainda fica bastante incomodada com notícias e imagens do desastre.
"Nunca mais consegui ler um livro na praia. Já estive na Tailândia, mas em Pataia, e no Algarve, na praia da Rocha, onde uma maré viva me assustou também", contou.
Horas depois do desastre, Fátima Cid regressou ao hotel onde estava alojada. Pelo caminho a "destruição era grande". Não encontrou pessoas com quem passava dias na praia. Voltou tão depressa quanto conseguiu a Macau e lembra-se de ser reconhecida no autocarro e de um amigo ourives, o senhor Lei, lhe dizer que era uma mulher de sorte porque Macau protegia a sua gente.
Já Irina Carvalho não foi apanhada no turbilhão das ondas que atingiram a costa tailandesa, porque estava a fazer um passeio de barco.
"O homem do barco estava muito nervoso, agitado, mas não percebíamos porquê. Mas quando íamos a regressar às ilhas Phi-Phi, onde estava com o meu marido, começamos a ver várias pessoas que surgiam do nada no meio do oceano", explica.
Do pequeno barco do passeio, onde não percebeu logo o que estava a acontecer, mas começava a imaginar algo de grave, Irina Carvalho passou para outro de maiores dimensões onde cada vez mais se juntavam pessoas recolhidas no mar.
"Quando estávamos a regressar vimos as ilhas Phi-Phi de uma ponta à outra e estava tudo completamente devastado, parecia que tinha sido bombardeado. Não vivi a sensação da onda a aproximar-se ou de ter sentido o tremor. Mas a sensação de ver pessoas a entrar no barco e a recordarem que estavam a tomar o pequeno-almoço com mulher e filhos e de repente desapareceu tudo", recorda.
Nas horas seguintes recebe dezenas de chamadas, de amigos, jornalistas que sabiam que estava na Tailândia. É aí que começa a perceber a dimensão do que estava a acontecer e começa a fazer o relato do que vai vendo e sabendo.
Não regressou a terra e o comandante da embarcação decide dirigir-se a Puket, onde encontraria um amigo que a ajuda a seguir por terra para outra zona da Tailândia, Khau-Lak, onde estava o irmão e onde fica a saber que a sobrinha, a pequena Mafalda, estava desaparecida.
"Aí é que nos apercebemos do que se passava. A sensação foi de fim-do-mundo: o `holocausto`", recordou ao salientar que na altura a confusão era muita e que os próprios locais não sabiam bem como reagir à situação.
Pelo menos cinco portugueses residentes em Macau morreram no tsunami que atingiu a Tailândia. Nos dias seguintes, e com a embaixada de Portugal em Banguecoque incapaz de responder a todos os pedidos de ajuda, vários familiares e amigos de vítimas da tragédia partiam para a Tailândia para ajudar.
No aeroporto, o funcionário José Martins, na altura a trabalhar na Embaixada de Portugal era o primeiro ponto de contacto e com a sua família ajudou dezenas de pessoas que passavam ou chegavam a Banguecoque.
O Governo de Macau fez deslocar para aquele país alguns funcionários, criou um gabinete de crise e prestou assistência aos seus residentes.
Dez anos depois, ainda é difícil falar sobre a tragédia, principalmente quando se perderam familiares ou amigos, ou mesmo quando se viveu apenas o turbilhão da força da água e se conseguiram salvar.