Especial
Crise política. Presidente da República vai falar ao país após reunião do Conselho de Estado

Trump acusa a Irlanda de roubar empresas norte-americanas

por Cristina Sambado - RTP
Evelyn Hockstein - Reuters

O presidente dos EUA, Donald Trump, criticou a Irlanda por atrair empresas norte-americanas com os baixos impostos. Mas prometeu trabalhar com o primeiro-ministro irlandês, Micheál Martin, para resolver o que chamou de "excedente comercial em massa" no comércio entre os dois países.

Trump acusou a Irlanda de roubar a indústria farmacêutica norte-americana e as receitas fiscais que deveriam ter sido pagas ao tesouro dos Estados Unidos, num golpe para o primeiro-ministro irlandês, Micheál Martin, que esperava sair ileso de uma visita à Casa Branca por ocasião do Dia de São Patrício.

O presidente dos Estados Unidos mostrou um respeito relutante pelo primeiro-ministro irlandês, elogiando-o e troçando dele, ao mesmo tempo que lançou vários ataques contra a União Europeia.

Trump apontou repetidamente para as políticas históricas de baixos impostos da Irlanda, que ajudaram a atrair multinacionais americanas como a Pfizer, a Boston Scientific e a Eli Lilly para o seu território. A Eli Lilly, fabricante de medicamentos com sede em Indianápolis anunciou planos para duplicar os investimentos nos EUA anunciados desde 2020 para 50 mil milhões de dólares. A empresa opera na Irlanda desde 1978 e emprega atualmente mais de 3.500 pessoas em três instalações no país.

As grandes empresas farmacêuticas são atualmente o motor das exportações anuais da Irlanda para os EUA, no valor de 72 mil milhões de euros, com impostos pagos na Irlanda sobre os medicamentos consumidos nos EUA.


Os irlandeses são inteligentes, sim, são pessoas inteligentes”, disse Trump. “Esta bela ilha de cinco milhões de pessoas tem toda a indústria farmacêutica dos EUA nas suas garras”.

O presidente norte-americano afirmou ainda aos jornalistas presentes na Sala Oval que não queria castigar demasiado os irlandeses, pois isso poderia pôr em risco o apoio do voto americano-irlandês, mas disse que estava determinado a “recuperar” a “riqueza” do seu país, prevendo uma batalha fácil com a União Europeia.

Acho que os irlandeses (residentes nos Estados Unidos) adoram Trump. Ganhámos os irlandeses com uma enorme quantidade de votos. Tenho-o bem guardado, a menos que faça algo muito estúpido, como esvaziar o vosso país, o vosso lugar maravilhoso, de todas as suas empresas. Talvez [nessa altura] perdesse o voto dos irlandeses”, afirmou Trump.

O atual presidente norte-americano afirmou ainda que os seus antecessores “perderam grandes segmentos” da economia dos EUA para a Europa e repetiu a sua afirmação de que “a União Europeia foi criada para tirar partido dos Estados Unidos”."Tivemos líderes estúpidos. Tivemos líderes que não tinham a mais pequena ideia ou digamos que não eram empresários, mas que não tinham ideias sobre o que estava a acontecer, e de repente a Irlanda ficou com as nossas empresas farmacêuticas", acusou Trump.

Referindo-se à ação judicial bem-sucedida da União Europeia contra a Apple, que obrigou a empresa norte-americana a pagar 13 mil milhões de euros em impostos atrasados à Irlanda, afirmou: “A Apple foi muito mal tratada. Isso é injusto”, acusou Trump.

Num dos vários momentos de bajulação, Micheál Martin salientou que a Irlanda lutou contra o processo da União Europeia no Tribunal de Justiça Europeu - uma medida que nasceu do desejo do país de manter as empresas tecnológicas americanas, como a Intel, a Microsoft e a Google, que instalaram as suas sedes em capitais da União Europeia, entre as quais Dublin.

O primeiro-ministro afirmou ainda que as empresas irlandesas Ryanair e AerCap, a maior empresa de aluguer de aviões do mundo, compram mais aviões Boeing fabricados nos EUA do que qualquer outra empresa.

“Construímos a prosperidade através do comércio livre e justo com parceiros de todo o mundo e, particularmente aqui nos Estados Unidos, vamos continuar a construir sobre essa base”, afirmou mais tarde o primeiro-ministro irlandês. “Vamos continuar a trabalhar juntos para garantir que mantemos essa relação económica bidirecional mutuamente benéfica que permitiu que a inovação, a criatividade e a prosperidade prosperassem”.Martin elogiou o investimento do próprio Trump na Irlanda, um campo de golfe em Doonbeg, e frisou que era o único presidente a ter investido no país insular, e saudou o compromisso dos dois países com o comércio e a inovação.

Micheál Martin acrescentou ainda que mais de 700 empresas irlandesas estão baseadas nos EUA, criando milhares de empregos. "É um facto pouco conhecido", salientou.

Questionado se a Irlanda, um membro da União Europeia, também se estava a aproveitar, Trump respondeu: "Claro que está. Tenho um grande respeito pela Irlanda e pelo que fizeram, e fizeram o que deveriam ter feito, mas os EUA não deveriam ter deixado isso acontecer".

Trump acenou com a cabeça: “Não estou a culpar-vos. Estou a culpar a União Europeia. A União Europeia está a perseguir as nossas empresas.Embora nenhuma das medidas comerciais de Trump tenha sido dirigida diretamente à Irlanda, a nação tem um excedente comercial com os Estados Unidos e as multinacionais estrangeiras de propriedade americana empregam uma parte significativa dos trabalhadores irlandeses. A Irlanda estará sujeita a quaisquer tarifas da União Europeia, uma vez que o comércio é regido pelo bloco.

Temos um problema com a União Europeia. Eles não aceitam os nossos produtos agrícolas. Não levam os nossos carros. Nós levamos milhões de carros, BMWs e Mercedes-Benz e Volkswagens e tudo. Levamos milhões de carros”.

Referindo-se à antiga chanceler alemã, Trump acrescentou: “Na altura, disse a Angela Merkel: Angela, quantos Chevrolets temos no meio de Munique? [Ela respondeu:] Ora, nenhum... Não, não estou satisfeito com a União Europeia”.

“Gostaria que os Estados Unidos não tivessem sido tão estúpidos durante tantos anos, não só com a Irlanda, mas com toda a gente”, afirmou.
Depois de uma discussão de uma hora com a imprensa, a reunião bilateral privada entre Trump e Martin durou apenas dez minutos, sublinhando a importância que o presidente norte-americano dá às reuniões perante os meios de comunicação social.

Os comentários de Trump surgiram quando Bruxelas revelou planos para impor “contramedidas” a importações americanas no valor de 26 mil milhões de euros, depois de Washington ter introduzido tarifas de 25 por cento sobre as importações globais de aço e alumínio.

O presidente norte-americano tem estado em conflito simultâneo com aliados e adversários dos EUA por questões comerciais, por exemplo aplicando taxas alfandegárias a importações provenientes de Estados que vão do Canadá à China.

Trump, sentado ao lado de Martin na Sala Oval, acrescentou que “é claro” que responderia às tarifas retaliatórias anunciadas na quarta-feira pela União Europeia, da qual a Irlanda é membro, e disse que 2 de abril marcaria o início das tarifas recíprocas sobre carros e outros bens.

O que quer que eles nos cobrem, nós cobramos-lhes”, disse Trump, sobre as tarifas recíprocas planeadas. “Se nos cobrarem 25 ou 20 por cento, ou dez por cento, ou dois ou 200 por cento, então é isso que lhes estamos a cobrar”.
Líderes discutiram conflito em Gaza e a guerra na Ucrânia

À noite, Donald Trump encontrou-se novamente com Micheál Martin na Sala Oval, onde o líder irlandês presenteou o inquilino da Casa Branca com uma coroa de trevos numa celebração antecipada do Dia de São Patrício. Os dois também participaram no almoço anual no Capitólio.

As conversações - o primeiro encontro de Trump com um líder estrangeiro desde a sua explosiva reunião com o líder ucraniano Volodymyr Zelensky no mês passado - contornaram as diferenças sobre o comércio e o conflito em Gaza, embora ambos os líderes tenham dito que trabalhariam para expandir a cooperação entre os dois países.A reunião anual da Casa Branca por altura do Dia de São Patrício é normalmente um assunto simples para os Estados Unidos e para a Irlanda. As últimas reuniões foram com o antecessor democrata irlandês-americano de Trump, Joe Biden.

Micheál Martin elogiou Donald Trump pela sua busca “incansável” da paz na Ucrânia e no Médio Oriente, e minimizou as diferenças em relação a Gaza, dizendo que os dois países estavam a pressionar para a libertação dos reféns detidos pelo grupo militante Hamas e para um cessar-fogo.

Trump retomou a sua estreita aliança com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, desde que tomou posse em janeiro, e afirmou que todos os palestinianos deveriam ser retirados de Gaza, pelo menos temporariamente, na sequência de um acordo de paz.

O líder irlandês repetiu o seu apelo a uma onda de ajuda humanitária para o enclave palestiniano e o seu apoio a uma solução de dois Estados, mas não abordou diretamente uma questão sobre o apelo de Trump à remoção dos palestinianos de Gaza.

“Ninguém está a expulsar nenhum palestiniano de Gaza”, respondeu Trump a uma pergunta sobre o assunto.

c/ agências
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