O Tribunal da Relação do Barlavento, em Cabo Verde, "validou e ratificou" a prisão preventiva de Alex Saab Morán, considerado um testa-de-ferro de Nicolás Maduro pelos Estados Unidos, anunciou hoje a Procuradoria-Geral da República (PGR).
O empresário foi detido pela Interpol e pelas autoridades policiais cabo-verdianas na ilha do Sal, em 12 de junho, durante uma escala técnica, com base num mandado de captura internacional emitido pelos Estados Unidos por alegados negócios ilícitos com o Presidente da Venezuela, tendo sido presente a um juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Sal para primeiro interrogatório judicial.
Em comunicado, a PGR explica que o empresário foi transferido em 16 de junho para a ilha de São Vicente, sede do Tribunal da Relação do Barlavento, o tribunal que tem a competência em matéria de extradição.
"Apresentado perante o Tribunal da Relação de Barlavento, a meritíssima juíza desembargadora relatora validou e ratificou a decisão do Tribunal Judicial da Comarca do Sal, determinando a manutenção da detenção provisória do detido, para efeitos de aguardar pedido de extradição para o Estado requerente", lê-se no comunicado.
A ausência de voos domésticos -- suspensos devido à pandemia de covid-19 -- obrigou o Ministério Público a apresentar o suspeito, dentro do prazo legal de 48 horas, ao tribunal do Sal.
"Assim, o Estado requerente tem o prazo de 18 dias -- que poderá ser prorrogado até ao máximo de 40 dias -- para formular o pedido de extradição, sob pena de libertação do detido", recorda o comunicado da PGR.
O processo de extradição, explica ainda, comporta uma fase administrativa, com intervenção da ministra da Justiça, e uma fase judicial, cuja decisão cabe ao Tribunal da Relação, "que se inicia após a decisão favorável do pedido de extradição pelo mencionado governante".
O advogado cabo-verdiano do empresário Alex Saab Morán considerou esta a detenção como uma "decisão política", admitindo apresentar recurso.
Em declarações à agência Lusa, José Manuel Pinto Monteiro explicou anteriormente que está a preparar os fundamentos da defesa do empresário, de nacionalidade colombiana e com passaporte venezuelano, criticando a detenção.
"É um ato intencional do Estado [a detenção], sabiam o que estavam a fazer e fizeram porque quiseram, não eram obrigados a isso. Passa sempre por uma decisão política e é uma decisão política, disseram ao procurador [procurador-geral da República de Cabo Verde] para avançar com a detenção", acusou o advogado.
"É nítido que Cabo Verde escolheu um lado", acrescentou, referindo-se aos diferendos políticos, económicos e diplomáticos entre a Venezuela e os Estados Unidos.
Alex Saab Morán é acusado pelos Estados Unidos de negócios corruptos com o Governo do Presidente venezuelano, Nicolás Maduro. O empresário foi detido quando o seu avião fez uma paragem para reabastecimento no aeroporto da ilha do Sal, num voo de regresso para o Irão, após uma viagem à Venezuela.
O advogado de Alex Saab Morán admite recorrer da decisão de detenção nos próximos dias: "Pode ser pela via do recurso, estamos ainda a ponderar o que fazer, a elaborar uma estratégia da defesa".
Em causa, desde logo, como acusou o Governo da Venezuela, a alegação de que Alex Saab Morán viajava com passaporte diplomático, bem como eventuais violações das autoridades cabo-verdianas à Carta das Nações Unidas e à Constituição da República.
O empresário é considerado pelas autoridades norte-americanas como testa-de-ferro de Nicolás Maduro, embora essa descrição não apareça em nenhum processo judicial e o Presidente venezuelano nunca tenha sido alvo de qualquer acusação relacionada com o empresário colombiano.
O Governo venezuelano denunciou, em comunicado, que a detenção de Alex Saab Morán foi "ilegal", por estar em missão oficial com "imunidade diplomática". A detenção foi classificada pelo Governo da Venezuela como "arbitrária" e uma "violação do direito e das normas internacionais", tal como as "ações de agressão e cerco contra o povo venezuelano, empreendidas pelo Governo dos Estados Unidos da América".
"Em estrita adesão ao direito internacional e no âmbito da amizade e relações respeitosas que mantemos historicamente entre os dois países, a Venezuela pede ao Estado cabo-verdiano que liberte o cidadão Alex Saab, facilitando o seu regresso e protegendo os seus direitos fundamentais, com base no devido processo legal", lê-se no comunicado.
A nota acrescenta que a Venezuela "tomou todas as medidas correspondentes por meio de canais diplomáticos e legais, para garantir a salvaguarda dos direitos humanos" do empresário, "bem como o seu inalienável direito à defesa".
No mesmo comunicado governamental é referido que Alex Saab Morán viajava como "agente do Governo Bolivariano da Venezuela" e que "estava em trânsito" em Cabo Verde, numa escala técnica necessária à viagem que realizava, que visava "garantir alimentos para os Comités Locais de Abastecimento e Produção (CLAP), bem como medicamentos, suprimentos médicos e outros bens humanitários à atenção da pandemia de covid-19".
Saab era procurado pelas autoridades norte-americanas há vários anos, suspeito de acumular numerosos contratos, de origem considerada ilegal, com o Governo venezuelano de Nicolás Maduro.
Em 2019, procuradores federais em Miami, nos EUA, indiciaram Alex Saab e um seu sócio, por acusações de operações de lavagem de dinheiro, relacionadas com um suposto esquema de suborno para desenvolver moradias de baixa renda para o Governo venezuelano, que nunca foram construídas.
Ao mesmo tempo, Alex Saab foi alvo de sanções por parte do Governo dos EUA por supostamente utilizar uma rede de empresas de fachada, espalhadas pelo mundo, para ocultar avultados lucros de contratos de alimentos sobrevalorizados, obtidos através de subornos.