Tribo que matou o jovem missionário norte-americano "não é hostil"

por Cristina Sambado - RTP
Já em 2004, após o tsunami no Oceano Índico, um helicóptero tentou aproximar-se para verificar como estava a tribo e foi recebido com lanças de fogo e pedras Indian Coast Guard - Reuters

Trilok Nath Pandit, que contactou com a tribo indígena na Ilha de Sentinela do Norte nos anos 60, afirma que se trata de “uma comunidade vulnerável que se tenta defender de um grupo dominante”. A tribo matou, no passado 16 de novembro, John Allen Chau, um jovem missionário norte-americano que tentou entrar em contacto com esta comunidade de cerca de 150 pessoas.

“Esta não é uma tribo hostil e é necessária uma estratégia para evitar uma epidemia numa comunidade tão pequena”, afirmou o antropólogo Trilok Nath Pandit, de 80 anos, ao jornal espanhol El Pais.

Pandit é o único sobrevivente da primeira expedição que conseguiu entrar em contacto com esta pequena e isolada tribo que vive na Ilha Sentinela do Norte, uma ilha de 72 quilómetros quadrados, que pertence ao arquipélago de Andaman e Nicobar, localizado a leste da Índia. Acredita-se que a origem dos sentineleses esteja numa migração oriunda de África há cerca de 60 mil anos, e serão a última tribo pré-Neolítico a viver isolada.

“Há que ter paciência. Qualquer reação excessiva ou uso da força contra um grupo tão pequeno pode ter consequências mortais para a sua população”, acrescentou Pandit que levou 20 anos a interagir com a tribo que habita a ilha.

O antropólogo considera que a “comunidade é muito vulnerável à interação com pessoas estranhas e a sua vida é colocada em risco com este tipo de encontros. Eles são agora a prioridade”.

Em 1967, o Ministério da Cultura indiano enviou uma expedição de 20 pessoas à Ilha de Sentinela do Norte com o objetivo de recolher informações sobre a misteriosa tribo que habita a ilha. Pandit, um dos 20 membros dessa equipa, afirmou na altura: “Não sei se foi coincidência, sorte ou destino; mas eles deixaram-nos entrar”.
Segundo a Survival International, uma ONG que defende os povos indígenas, esta é uma decisão inteligente por parte da tribo, uma vez que eles não são imunes a doenças comuns, como constipações ou sarampo, e que podem dizimar a sua população
Com base no estilo de habitações e utensílios, os pesquisadores concluíram que os Sentinela, uma comunidade entre 150 a 200 membros, habitava a ilha há mais de 2.000 anos.

No entanto, só em 1991 e depois de inúmeras abordagens é que a equipa de Trilok Nath Pandit conseguiu interagir com a tribo. “Nós levámos cocos e outros bens até perto da costa sem problema. Chegámos e saímos em paz”.

O encontro não durou muito tempo, cerca de 23 minutos, e o momento ficou gravado e vídeo.



O antropólogo insiste que a tribo não é violenta, como foi afirmado depois do incidente com John Allen Chau. “Sentinelas são apenas uma pequena comunidade que se tenta defender contra um grupo dominante”.

"Como indivíduos, eles podem ter doenças. Como coletivo, eles também estão expostos aos riscos de serem explorados por uma população mais poderosa. Não só eles são um grupo mais pequeno e não têm ferramentas ou tecnologia para se defender e preservar os seus costumes”, acrescenta o antropólogo ao El Pais. As mulheres usam cordas à volta da cintura, pescoço e cabeça. Os homens também usam fios e fitas na cabeça, mas têm um cinto mais largo, e carregam lanças, arcos e flechas.

Pandit afirma que a entrada de John Allen Chau na ilha “foi imprudente” e que o jovem missionário norte-americano se deslocou à ilha sem “ser visto pelas autoridades marítimas indianas”.

Segundo a comunicação social indiana, a Ilha Sentinela do Norte é uma das 29 ilhas do arquipélago Andaman e Nicobar que desde agosto de 2017 podem ser visitadas, quando a Índia suspendeu a obrigação de ter permissão de viagem para várias áreas naturais para promover o turismo e o desenvolvimento.

No entanto, a polícia afirma que a presença de estrangeiros é proibida nas proximidades, apesar de os pesquisadores locais afirmarem que existe falta de controlo marítimo na área.
Resgate do corpo
A 16 de novembro, um jovem norte-americano de 27 anos tentou entrar em contacto com a tribo Sentinela e acabou por ser morto. John Allen Chau foi transportado ilegalmente para a Ilha Sentinela do Norte por pescadores de outras ilhas do arquipélago que ficaram ao largo.
Foto: John Allen Chau- Instagram

Da embarcação onde se encontravam, os pescadores afirmam que viram uma grande quantidade de flechas a atingir o jovem, mas que John Allen Chau continuou a andar. Os nativos passaram então uma corda em volta do pescoço do missionário norte-americano e arrastaram o seu corpo pelo areal.
John Allen Chau não é o primeiro forasteiro a ser morto pela tribo. Em 2006, dois pescadores indianos atracaram o seu barco perto da ilha para dormir. Os dois homens acabaram por ser mortos pela tribo quando o barco libertou-se e flutuou até à costa da ilha.
Com a intenção de resgatar o corpo, as autoridades indianas enviaram à Ilha Sentinela um helicóptero e um navio. No entanto, os agentes pararam o barco a cerca de 400 metros da costa.

“Mantivemos distância para a ilha e ainda não conseguimos localizar o corpo, o que pode levar até dias e missões de reconhecimento”, afirmou o chefe da polícia da região.

De binóculos, as autoridades viram o que os aguardava na praia: homens armados com arcos e flechas. “Eles ficaram a olhar para nós e nós a olhar para eles”, afirmou à AFP o diretor-geral da polícia do arquipélago. A polícia decidiu então abandonar o local para evitar um conflito.

A polícia abriu uma investigação de homicídio e deteve os pescadores que ajudaram John Allen Chau a chegar à ilha. A lei proíbe a aproximação a menos de cinco quilómetros, assim como fotografar ou filmar essa população.

As autoridades indianas pediram, entretanto, conselhos a antropólogos e ativistas que são a favor de abortar a operação de resgate de forma a evitar qualquer confronto com a comunidade local.

Já em 2004, após o tsunami no Oceano Índico, um helicóptero tentou aproximar-se para verificar como estava a tribo e foi recebido com lanças de fogo e pedras.
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