Muitos migrantes nepaleses e do Bangladesh que vão trabalhar para o Catar acabam por ficar com grandes dívidas. A investigação foi realizada pelo "Guardian", segundo o qual muitos destes trabalhadores têm de pagar altas taxas de recrutamentos.
Migrantes do Bangladesh e do Nepal perfazem um terço da força de trabalho do Catar e pagam, em média, taxas de mil a mil e quinhentos, ou três mil a quatro mil dólares, conforme os trabalhos. Estes trabalhadores ganham pouco mais de 275 dólares por mês, pelo que muitos têm de trabalhar mais de um ano só pagar as taxas de recrutamento.
O Mundial do Catar vai começar em meados de novembro deste ano e a investigação do Guardian mostra a escala de exploração que estes trabalhadores têm sofrido. A maioria vem de países de rendimentos baixos e muitos deles até entram no país através de projetos relacionados com o Mundial ou projetos de hospitalidade.
Cobrar taxas de recrutamento é proibido no Catar e (para lá de um teto máximo) também no Nepal e Bangladesh. No entanto, estas práticas são frequentes nos países do golfo. Elas verificam-se em conluio com outras empresas, em que os trabalhadores são obrigados a pagar uma taxa ainda no país de origem.
Muitos são obrigados a contrair empréstimos para pagar as taxas de recrutamento ou têm de vender terra. Estes são trabalhadores que ficam expostos a dívidas, numa situação vulnerável, sendo que têm de trabalhar até terem a dívida paga.
Apesar dos custos, muitos trabalhadores continuam a ver este tipo de trabalho como uma tábua de salvação, já que no país de origem não encontram trabalho nem rendimentos. Muitos aceitam pagar as taxas, acreditando que a longo prazo o plano de ir trabalhar para fora vai dar mais rendimentos.
De acordo com o Guardian, muitos trabalhadores em Katmandu mostram preocupação por sair, em chamadas longas com as famílias. Um dos trabalhadores chegou mesmo a explicar: “Estou muito preocupado, mas tenho de ir. Tenho problemas financeiros”.
As autoridades cataris explicaram que têm tomado medidas para tentar atenuar o problema da exploração laboral, ao abrir centros de recrutamento, processo que começou em 2018. Os trabalhadores têm de completar várias tarefas administrativas e assinar os contratos antes de viajarem para o Catar.
No entanto, especialistas alertam que muito pouco foi feito para acabar com as taxas de recrutamento ou a obrigação de serem os trabalhadores a pagar, porque estas são pagas muito antes de começar o processo de recrutamento.
O grupo de direitos dos migrantes FairSquare realizou um relatório sobre o recrutamento entre o Catar e o Nepal e explicou que o Catar vê o problema como responsabilidade dos Estados de origem dos trabalhadores e os recrutadores são sujeitos a pouca regulação.
O comité organizador do Mundial 2022 anunciou uma nova estratégia em 2018 para assegurar que as empresas com contratos com os estádios construídos paguem aos seus trabalhadores as taxas de recrutamento. Estas mesmas empresas prometeram pagar mais de 28 milhões de dólares a 49 mil empregados. Apenas 22 milhões de dólares foram reembolsados.
No entanto, o número de trabalhadores que vai beneficiar desta estratégia é uma fração mínima do número de trabalhadores que esteve e ainda está a trabalhar no Catar. Em muitos casos, o valor pago só diz respeito à parte das taxas de recrutamento e não compensa, por exemplo, os juros de empréstimos contraídos pelos trabalhadores.
O comité supremo que está a organizar o mundial comprometeu-se a cumprir com as promessas feitas, no sentido de melhorar as condições de vida e construir "fundações para reformas laborais justas, sustentáveis e de longa duração”.
O antigo embaixador do Nepal no Catar, Narad Nath Bharadwaj, falou numa “história grotesca”, assegurando que mais de 90 por cento dos empregados pagam taxas.
“Os pagamentos [de taxas] são ilegais e muitos deles acontecem por baixo da mesa, para que os trabalhadores não tenham provas de que realmente pagaram. No entanto, não conseguem o trabalho caso não paguem. Para trabalhos melhores, as taxas são maiores”, explicou Bharadwaj.