"Tortura horrível". Rebeldes sírios querem perseguir criminosos de guerra do regime
O líder do principal grupo rebelde islâmico da Síria anunciou a preparação de uma lista de antigos funcionários do regime da família Assad que supervisionaram a prática de tortura. O Hayat Tahrir al-Sham (HTS) disse ainda que irá oferecer recompensas por informações sobre oficiais envolvidos em crimes de guerra.
"Não hesitaremos em responsabilizar os criminosos, assassinos, agentes de segurança e militares envolvidos na tortura do povo sírio", declarou em comunicado. "Perseguiremos os criminosos de guerra e exigiremos [a extradição] aos países para onde fugiram, para que recebam a justa punição".
A iniciativa surge após relatos de combatentes rebeldes que afirmam ter encontrado mais de quatro dezenas de corpos na morgue de um hospital, com sinais de tortura.
"Abri a porta da morgue com as minhas próprias mãos, foi uma visão horrível: cerca de 40 corpos estavam empilhados, mostrando sinais de tortura terrível", contou um dos combatentes à agência de notícias France Press, mostrando fotografias e vídeos.
"Informámos o comando militar sobre o que encontrámos e contactámos o Crescente Vermelho Sírio, que transportou os corpos para um hospital de Damasco, para que as famílias pudessem vir identificá-los", revelou.
Na segunda-feira, os Estados Unidos anunciaram a acusação de dois antigos funcionários de topo do Governo sírio por crimes de guerra. Foram identificados como Jamil Hassan, de 72 anos, e Abdul Salam Mahmoud, de 65.
Segundo o Departamento de Justiça, os homens trabalhavam para o serviço secreto sírio e envolveram-se numa conspiração para levar a cabo tratamentos cruéis e desumanos contra civis detidos, incluindo cidadãos americanos, durante a guerra civil na Síria.
Milhares de prisioneiros libertados
Os relatos surgem numa altura em que prosseguem as investigações sobre os centros de detenção do regime de Assad, onde muitos prisioneiros terão sido alvo de tortura ao longo dos anos.
Desde que, no fim de semana, os rebeldes tomaram o controlo de várias cidades, incluindo a capital Damasco, forçando o presidente Bashar al-Assad a fugir do país, milhares de prisioneiros foram já libertados.
As principais cadeias da Síria receberam mais de 100 mil prisioneiros ao longo de 14 anos de guerra civil. Agora, surgem relatos de pessoas detidas em celas subterrâneas escondidas, incluindo mulheres e crianças.
Na principal prisão do país, Saydnaya, os familiares dos detidos continuam a procurá-los, sem saber se estarão vivos após anos de detenção.
Vídeos divulgados nas redes sociais mostram homens a correr para o exterior de prisões, confusos sobre os motivos pelos quais estavam a ser libertados e a gritar “Deus é grande”.
As autoridades de Damasco denunciaram situações em que prisioneiros estavam “quase a asfixiar” devido à falta de ventilação nas celas de onde foram retirados.
“É chocante, mas não surpreende”, considerou a coordenadora da Comissão da ONU para a Síria, em entrevista à BBC.
“Ver estas celas subterrâneas, sem janelas, onde as pessoas passaram anos e décadas sem luz do sol é angustiante. As condições de que tínhamos ouvido falar realmente correspondem ao que estamos agora a ver”, afirmou Linnea Arvidsson.
"Tem de haver responsabilização”
Robert Petit, diretor do mecanismo de responsabilização da ONU, disse acreditar que "a responsabilização terá lugar" na Síria após a queda do regime de Assad.
"Tem de haver responsabilização, especialmente para os mais responsáveis pela arquitetura destes crimes. E, quando se trata de perpetradores de nível inferior, vários meios de justiça e responsabilização podem ter lugar", declarou à BBC.
Questionado sobre a possibilidade de os ataques israelitas contra Damasco prejudicarem a preservação de provas, Petit respondeu que o preocupa a proteção dos civis.
“É por isso que o tempo é essencial para preservar as provas. A sociedade civil síria tem estado na vanguarda da documentação das atrocidades e a preservação das provas é uma das suas prioridades", acrescentou.
c/ agências
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