O mais alto tribunal da ONU ordenou hoje a Israel a abertura de mais passagens terrestres para permitir a entrada de alimentos, água e combustível em Gaza, visando combater a escassez no enclave palestiniano devastado pela guerra.
O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) emitiu duas novas medidas provisórias no âmbito de um processo apresentado pela África do Sul, que acusa Israel de atos de genocídio na sua campanha militar lançada após os ataques de 7 de outubro pelo Hamas.
Na ordem juridicamente vinculativa, o tribunal ordenou a Israel que tome "todas as medidas necessárias e efetivas para garantir, sem demora, em plena cooperação com as Nações Unidas, o fornecimento sem entraves, à escala de todos os interessados, dos serviços básicos urgentemente necessários e da assistência humanitária", incluindo alimentos, água, combustível e material médico.
O TIJ ordenou ainda a Israel que garanta imediatamente que as suas forças armadas "não cometam atos que constituam uma violação de qualquer dos direitos dos palestinianos em Gaza, enquanto grupo protegido ao abrigo da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, incluindo a prevenção, através de qualquer ação, da entrega de assistência humanitária urgentemente necessária".
O tribunal solicitou a Israel a apresentação de um relatório dentro de um mês sobre a implementação das ordens.
Israel nega veementemente que esteja a cometer genocídio e afirma que a sua campanha militar é de autodefesa.
A ordem hoje emanada surgiu depois de a África do Sul ter pedido mais medidas provisórias, incluindo um cessar-fogo, citando a fome em Gaza.
Israel instou o tribunal a não emitir novas ordens.
Na segunda-feira, o Conselho de Segurança da ONU pediu pela primeira vez numa resolução um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza, alvo de uma ofensiva aérea e terrestre de Israel desde 7 de outubro de 2023, em retaliação a um ataque do movimento islamita palestiniano Hamas a território israelita no mesmo dia.
Sobre se a resolução do Conselho de Segurança é vinculativa (de cumprimento obrigatório para os Estados), o porta-voz do secretário-geral da ONU, Farhan Haq, declarou na terça-feira que todas as resoluções daquele órgão da ONU devem ser interpretadas à luz do Artigo 25.º da Carta das Nações Unidas - que estipula que todos os Estados-membros da organização "concordam aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança", mas escusou-se a ir além disso quanto à sua interpretação do termo "vinculativo".
Até segunda-feira, era consensual em todo o mundo que as resoluções do Conselho de Segurança da ONU são vinculativas (ao contrário das da Assembleia Geral), embora nem sempre sejam cumpridas porque o Conselho não tem instrumentos específicos para obrigar os países a aplicá-las.
Na prática, a resolução aprovada em finais de dezembro para acelerar a entrada de ajuda humanitária em Gaza foi ignorada por Israel que, em vez de eliminar os obstáculos a essa ajuda, fez o oposto - segundo todas as agências especializadas da ONU -, sem que isso lhe tenha custado qualquer sanção ou sequer advertência do Conselho de Segurança.
A 07 de outubro do ano passado, combatentes do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) - desde 2007 no poder na Faixa de Gaza e classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e Israel - realizaram em território israelita um ataque de proporções sem precedentes desde a criação do Estado de Israel, em 1948, fazendo 1.163 mortos, na maioria civis, e 250 reféns, cerca de 130 dos quais permanecem em cativeiro e 34 terão entretanto morrido, segundo o mais recente balanço das autoridades israelitas.
Em retaliação, Israel declarou uma guerra para "erradicar" o Hamas, que começou por cortes ao abastecimento de comida, água, eletricidade e combustível na Faixa de Gaza e bombardeamentos diários, seguidos de uma ofensiva terrestre ao norte do território, que depois se estendeu ao sul, estando agora iminente uma ofensiva à cidade meridional de Rafah, onde se concentra mais de um milhão de deslocados.
A guerra entre Israel e o Hamas, que hoje entrou no 173.º dia e continua a ameaçar alastrar a toda a região do Médio Oriente, fez até agora na Faixa de Gaza mais de 32.000 mortos, mais de 74.000 feridos e cerca de 7.000 desaparecidos, presumivelmente soterrados nos escombros, na maioria civis, de acordo com o último balanço das autoridades locais.
O conflito fez também quase dois milhões de deslocados, mergulhando o enclave palestiniano sobrepovoado e pobre numa grave crise humanitária, com mais de 1,1 milhões de pessoas numa "situação de fome catastrófica" que já está a fazer vítimas - "o número mais elevado alguma vez registado" pela ONU em estudos sobre segurança alimentar no mundo.