Tetraplégico volta a andar com recurso a interface que liga cérebro à medula

por Andreia Martins - RTP
Jean-Christophe Bott - EPA

Há 12 anos, um acidente de bicicleta deixou Gert-Jan Oskam totalmente paralisado das pernas e parcialmente nos braços. Agora com 40 anos, voltou a andar com recurso a um dispositivo que liga o cérebro à medula espinal e que permite que o seu pensamento controle os movimentos.

De acordo com o estudo publicado esta quarta-feira na revista Nature, Gert-Jan Oskam consegue agora ficar de pé, andar e até subir escadas. Tudo graças ao "interface cérebro-medula".

Trata-se de um dispositivo que estabelece uma ligação entre o cérebro do paciente e os nervos abaixo da lesão. Foi concebido com base no trabalho do neurocientista Grégoire Courtine, no Instituto Federal Suíço de Tecnologia, em Lausanne.

Em 2018, Courtine e a sua equipa demonstraram que, combinada com treino intensivo, esta tecnologia seria capaz de devolver a locomoção a pacientes com lesões na coluna.

Gert-Jan Oskam participou neste ensaio e, ao fim de três anos, as mudanças verificadas estabilizaram. No caso do holandês de 40 anos, o novo sistema recorre ao implante na medula que o paciente já tinha, combinando-o com outros dois implantes inseridos no seu crânio "para que duas redes de 64 elétrodos fiquem contra a membrana que cobre o cérebro", refere a Nature.

Quando Oskam pensa em caminhar, os implantes de crânio detetam atividade elétrica no córtex, a camada externa do cérebro. Esse sinal é transmitido sem fios e descodificado por um computador que Oskam traz numa mochila, que então transmite as informações para o implante que estimula a medula com impulsos elétricos.

Na versão anterior deste dispositivo, a lógica era de um estímulo "pré-programado". Agora, o paciente "tem controlo total sobre o parâmetro dos estímulos, o que significa que pode parar, pode andar, pode subir escadas", explica o neurocientista Grégoire Courtine, citado pela Nature.

"Antes, o estímulo controlava-me, agora sou eu a controlar o estímulo com o meu pensamento. Quando decido dar um passo, a simulação entra em ação assim que penso nisso", refere Gert-Jan Oskam, o paciente envolvido no ensaio.

Mas os efeitos desta interface vão além do esperado. Segundo a Nature, Oskam recuperou a capacidade de andar mesmo quando o dispositivo estava desligado. Depois de cerca de 40 sessões de reabilitação com o dispositivo, o holandês de 40 anos recuperou a capacidade de mover voluntariamente as pernas e os pés.

O que sugere que as sessões de reabilitação com o dispositivo "levaram a uma maior recuperação das células nervosas que não ficaram completamente danificadas com a lesão na medula espinal".

Atualmente, o paciente consegue caminhar curtas distâncias sem o aparelho, ainda que com recurso a muletas.

No decurso destes testes, um dos implantes no crânio de Oskam teve de ser removido após cerca de cinco meses de uso devido a uma infeção. No entanto, Jocelyne Bloch, a neurocirurgiã do Instituto Federal Suíço de Tecnologia que implantou o dispositivo, realça que os riscos envolvidos são pequenos em comparação com os benefícios.

"Há sempre um pequeno risco de infeções ou de hemorragia, mas é tão pequeno que vale a pena o risco", realça.

Bruce Harland, neurocientista da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, considera que estes avanços são uma excelente notícia para todos os que têm lesões na medula espinhal. "Mesmo que seja uma lesão crónica de longo prazo, ainda há algumas formas através das quais a cura pode acontecer", sublinha.

Agora, a equipa de Grégoire Courtine procura testar o dispositivo em três pacientes para perceber se este pode ajudar a restabelecer o movimento dos braços.
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