Soaram os alarmes em toda a comunidade científica. Uma onda de calor sem precedentes no Ártico, onde o sol praticamente não brilha até março, estará a causar uma onda de frio siberiano na Europa e a forçar à revisão das previsões mais pessimistas sobre o aquecimento global.
O tempo frio registado nestes dias na Europa será assim uma simples deslocação do que deveria estar a passar-se mais a norte, referem diversos especialistas. A massa de ar frio do Ártico que está a por a Europa Central a bater o dente, é um sinal de um clima “maluco” e pode tornar-se mais frequente.
Desde segunda-feira que, a norte do Mediterrâneo, as temperaturas máximas não sobem acima de zero. As mínimas oscilam entre os -6ºCe os -10ºC na maior parte dos países. Cidades desde Varsóvia até Oslo registam temperaturas abaixo de -8ºC.
Nevou em Roma e em Nápoles, Itália, e em Bruxelas houve ordem para deter pessoas sem-abrigo que se recusassem a ir para refúgios esta semana.
Pico anormalmente longo
Em torno de toda a região ártica as temperatura são agora em média cerca de 20ºC acima do normal, rondando os -8ºC.
A Sibéria registou este mês temperaturas 35ºC acima da média histórica, empurradas por um fluxo de ar quente.
Só em 2018, a Groenlândia teve 61 horas acima de congelação, mais de três vezes o total de 2017. Na estação meteorológica mais a norte do planeta, a Cape Morris Jesup, no extremo norte daquele país, as temperaturas recentes têm sido mais elevadas do que em Londres e em Zurique, milhares de quilómetros mais a sul.
Apesar do pico recente registado domingo, de 6.1ºC não ter sido um recorde, o fenómeno durou apenas algumas horas nas outras duas ocasiões em que se deu, em 2011 e em 2017. A semana passada houve 10 dias acima do nível de congelação pelo menos durante parte do dia na estação, a apenas 700 quilómetros do Pólo Norte.
A reação ao fenómeno é de choque: “loucura”, “esquisito” e “simplesmente chocante”, são algumas das palavras usadas por investigadores de longa data.
"Alerta claro"
“Esta é uma anomalia entre anomalias”, afirma Michael Mann, diretor do Centro do Sistema Terrestre da Universidade Estatal da Pennsylvania, citado pelo The Guardian.
“Está suficientemente fora da média história para ser preocupante – e sugere que há mais surpresas a prepararem-se à medida que irritamos a besta zangada que é o nosso clima”, refere.
“O Ártico sempre esteve na linha da frente” [das alterações climáticas] devido ao “círculo vicioso que amplifica o aquecimento provocado pelos seres humanos naquela região específica. E está a dar um alerta muito claro”, acrescenta Mann.
“Picos de temperatura fazem parte dos padrões climáticos. O que está a fugir da norma neste fenómeno é a sua persistência durante tanto tempo e que seja tão quente”, diz Ruth Mottram do Instituto de Meteorologia da Dinamarca. “Nunca vimos temperaturas tão altas no alto Ártico, mesmo indo até os últimos anos da década de 1950”, acrescenta.As causas e a importância deste pico de temperatura estão agora sob escrutínio. O vórtice polar é um círculo de ventos que inclui a corrente de jato e que ajuda a desviar as massas de ar mais quentes e a manter a região fria. Quando enfraquece ou quando se fortalece influência as temperaturas no Ártico.
Só que os picos de temperatura têm estado a tornar-se mais frequentes e a durar mais tempo. “Em 50 anos de reconstruções do Ártico, o atual fenómeno é o mais quente e um dos mais longos observados durante o inverno”, diz Berkeley Earth, uma organização não-governamental dedicada à ciência do clima.
A questão agora é se este é um sinal de um enfraquecimento ou de um colapso do vórtice. Este depende das diferenças de temperatura entre o Ártico e as regiões das latitudes médias, mas estas estão a diminuir, já que o Pólo Norte está a aquecer mais depressa do que qualquer outro lugar da Terra.
Enquanto as temperaturas médias globais aumentaram cerca de 1ºC, no Ártico este aumento é próximo dos 3-C, o que está a derreter as massas de gelo.