Taliban proíbem mulheres afegãs de trabalhar para as Nações Unidas

por Inês Moreira Santos - RTP
Ali Khara - Reuters

As autoridades taliban no Afeganistão emitiram uma ordem a proibir de trabalhar todas as funcionárias afegãs das Nações Unidas, decisão que a organização denuncia como "inaceitável e francamente inconcebível". A Missão da ONU no país anunciou, esta quarta-feira, que vai reunir-se com o Governo de Cabul para clarificar esta nova interdição.

“A ONU no Afeganistão expressa séria preocupação com o facto de funcionárias nacionais do sexo feminino terem sido impedidas de se apresentar para trabalhar na província Nangarhar”, pronunciou-se a organização nas redes sociais.

“Lembramos às autoridades que as entidades das Nações Unidas não podem operar e fornecer assistência para salvar vidas sem uma equipa feminina”, é acrescentado.


“Os nossos colegas no terreno na missão da ONU no Afeganistão receberam a notícia de uma ordem das autoridades que proíbe o trabalho de mulheres nacionais que sejam funcionárias da ONU”, confirmou em conferência de imprensa o porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas.

Stéphane Dujarric adiantou que ainda estava a ser analisada tal decisão governamental e como pode afetar as “operações no país”, mas que estavam previstas “mais reuniões com as autoridades” em Cabul.

Após a queda do poder político no Afeganistão para o taliban, em agosto de 2021, a ONU “permaneceu comprometida em ficar e ajudar, enquanto pedia apoio unificado para o povo do país”. Contudo, as autoridades taliban no poder têm anunciado decisões, segundo uma “liderança fundamentalista”, incluindo a proibição de as mulheres frequentarem o Ensino Superior, trabalharem para organizações não-governamentais e entrarem em diversos espaços públicos.
Proibição "inaceitável"

Segundo Dujarric, as autoridades taliban indicaram que esta interdição se aplica a todas as mulheres de todo o país e não apenas à província Nangarhar.

“Fomos informados por diferentes canais que a proibição se aplica a todo o país”, realçou Stéphane Dujarric. “Esperamos ouvir vozes fortes do Conselho de Segurança”.

Para o secretário-geral, tal proibição é inaceitável e francamente inconcebível”, apontou, denunciando a vontade de “minar as capacidades das organizações humanitárias para ajudar quem mais precisa”.

Entre outras questões, recordou que "dada a sociedade e a cultura" no Afeganistão "são necessárias mulheres para ajudar as mulheres", que estão entre as mais ameaçadas pela enorme crise humanitária no país, aludindo ao facto de que em muitas regiões não é bem visto que os homens atendam as mulheres, ou vice-versa.

No mesmo tom, António Guterres condenou "veementemente a proibição" das funcionárias afegãs de trabalhar.

"Se essa medida não for revertida, inevitavelmente prejudicará a nossa capacidade de fornecer ajuda e salvar vidas", lamentou o secretário-geral das Nações Unidas, numa publicação no Twitter.


Em comunicado, a ONU critica a decisão dos taliban, classificando-a como "a mais recente de uma tendência perturbadora de decretos" que prejudicand as organizações de ajuda humanitária no país.

“Não é preciso dizer, mas, infelizmente, é preciso dizer que a equipa feminina é essencial para que as Nações Unidas prestem assistência que salva vidas ”, disse também Dujarric. "As mulheres do nosso quadro são essenciais para que as Nações Unidas prestem uma ajuda vital".

Estas normas governamentais, "violam os direitos fundamentais das mulheres e infringem o princípio da não discriminação”.

“Funcionários do sexo feminino são essenciais para garantir a continuação das operações da ONU no Afeganistão", ressalvou a ONU no comunicado.O Afeganistão tem cerca de 40 milhões de pessoas e a ONU tem tentado levar ajuda humanitária a perto de 23 milhões de homens, mulheres e crianças.

“Continuaremos a tentar todos os caminhos para garantir que possamos alcançar as pessoas mais vulneráveis, especialmente mulheres e meninas”.

Segundo dados da ONU, entre 30 e 40 por cento do pessoal das organizações humanitárias que entregam, gerem, controlam ou avaliam a necessidade de assistência são mulheres. Dujarric acrescentou que a organização tem atualmente cerca de quatro mil pessoas a trabalhar no Afeganistão, das quais cerca de 3.300 são nativas do país, embora não tenha revelado quantas são mulheres.

A Missão da ONU no Afeganistão confirmou que, esta quarta-feira, vai reunir-se com os responsáveis taliban em Cabul, com o objetivo de clarificar a nova interdição governamental.
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