Suspeita de sabotagem. Dois cabos óticos submarinos deixaram de funcionar no Báltico

por Graça Andrade Ramos - RTP
Cabo C-Lion 1 a ser colocado entre a Alemanha e a Finlândia em 2025 LEHTIKUVA - Reuters

O C-Lion 1, que liga a Alemanha e a Finlândia desde 2016, e o Arelion, outro cabo de telecomunicações, entre a Lituânia e a Suécia, deixaram de funcionar em menos de 24H00, levantando suspeitas de mão criminosa, a mando ou a favor do Kremlin.

Os governos dos países afetados já se assumiram "profundamente preocupados" e, em comunicado conjunto, a Finlândia e a Alemanha, questionaram a possibilidade de "guerra híbrida" a par da "ameaça russa".

Esta terça-feira, o ministro da Suécia para a Defesa Civil, Carl-Oskar Bohlin, confirmou à cadeia de televisão TV4, a deteção, pela Guarda Costeira do país, de manobras de navios coincidentes "no tempo e no espaço com as duas interrupções que ocorreram" pelas 10h00 da manhã locais, no domingo.

Um navio chinês, o Yi Peng 3, deixou o mar Báltico cedo na manhã de terça-feira, seguido pela marinha dinamarquesa, e estará no radar de "vários países", referiram media finlandeses e suecos.
Suécia, Finlândia, Alemanha e Lituânia já abriram inquéritos aos incidentes e à navegação marítima no Báltico, na altura da interrupção.

O porta-voz da operadora lituana responsável pelo serviço, a Telia Lithuania, garantiu à norte-americana CNN, que foram danos sofridos pelo próprio cabo que levaram à quebra no Arelion.

"Podemos confirmar que a interrupção do tráfego de internet não foi causada por falhas de equipamento mas por danos físicos ao cabo de fibra ótica", afirmou Audrius Stasiulaitis.

A interrupção no C-Lion continua por explicar, e está a ser investigada não tendo sido ainda realizada uma inspeção física, referiu em comunicado a empresa operadora do cabo, a Cinia.

O presidente executivo da empresa , Ari-Jussi Knaapila, afirmou contudo segunda-feira aos jornalistas, que a interrupção brusca implicava que o C-Lion tinha sido cortado por uma "força externa".
Borrell cauteloso
Os cabos submarinos podem ter problemas por danos sofridos durante a colocação, por defeitos de material ou por condições marítimas adversas.

No caso vigente a hipótese de sabotagem é, contudo, o elefante na sala, se se considerar a improbabilidade de dois cabos submarinos serem afetados num curto espaço de tempo na mesma área geográfica e na ausência de um evento climático agressivo.
A cadeia CNN analisou as rotas subaquáticas, concluindo que a distância entre os pontos de interrupção de cada cabo é de 60 a 65 milhas, cerca de 100 quilómetros.

As suspeitas de sabotagem neste caso recaem sobre Moscovo, num clima de alta tensão entre os europeus devido à ameaça de agravamento do conflito russo-ucraniano e ao risco de que este possa alastrar à Europa.

Josep Borrell, o Alto Responsável pela diplomacia da União Europeia, procurou lançar água fria nas suspeitas.

"Não podemos atribuir estes incidentes a ninguém. Seria irresponsável da minha parte atribuir este, digamos, incidente ou acidente, o que lhe quiserem chamar, a alguém", afirmou Borrell, em conferência de imprensa em Bruxelas. "Seria por lenha na fogueira. Não pretendo fazê-lo", acrescentou.

Já os países afetados não poupam nas acusações. "Ninguém acredita que estes cabos foram cortados por acidente", afirmou o ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, terça-feira de manhã, considerando que os problemas tiveram origem numa "sabotagem".

"Não acredito nas versões de âncoras - de navios - que teriam por acaso provocado os estragos nos cabos", acrescentou.

Em outubro de 2023 um acidente desse género, oficialmente atribuído a um navio cargueiro chinês que seguiu a sua rota, danificou um gasoduto entre a Finlândia e a Estónia.
Dedos apontados à Rússia

Uma possível ação da sabotagem beneficiaria o Kremlin, ao afetar as comunicações entre os países do Báltico, vulneráveis a um ataque direto vindo do leste, e a Europa Central. Tanto a Suécia como a Finlândia aderiram à NATO em 2023, para se protegerem dessa ameaça.

A inutilização do C-Lion seria particularmente grave por ser a única ligação do género entre a Finlândia e o centro da Europa.

"O facto de um incidentes destes levantar de imediato suspeitas de dano intencional, torna evidente a volatilidade dos tempos atuais", referiu o comunicado conjunto dos ministros da Defesa da Alemanha e da Finlândia, na segunda-feira à noite. 

"As situações deste tipo devem ser avaliadas tendo em conta a ameaça crescente que representa a Rússia na nossa vizinhança", declararam ainda, evocando "um número crescente de atividades híbridas na Europa".

"A nossa segurança europeia não está apenas sob ameaça da guerra de agressão russa contra a Ucrânia, mas igualmente de guerra híbrida por parte de atores maliciosos", referiram.

O deputado lituano Laurynas Kasciunas considerou por seu lado que, após as conclusões dos inquéritos, os Estados Membros e a União Europeia, "devem fazer melhor uso do regime de sanções contra este tipo de sabotagem".
Alerta dos EUA
O primeiro problema foi detetado domingo durante operações de rotina ao Arelion, que ligava Gotland, na Suécia, e Šventoji, na Lituânia.

A imprensa da Lituânia divulgou a ocorrência. A Telia Lithuania informou então que o tráfico do cabo abrangia um terço da capacidade internet do país, a qual foi entretanto restaurada em pleno por outras vias. A reparação do cabo poderá contudo levar várias semanas, dependendo das condições atmosféricas.

A falha no C-Lion 1 foi revelada segunda-feira.
O comunicado da Cinia indicou a existência de um navio de prontidão para se dirigir ao local da interrupção e preveniu que o prazo de reparação era incerto, apontando um intervalo comum entre cinco a 15 dias.

Com um comprimento de quase 1.200 quilómetros, a par de outras peças de infraestrutura cruciais, incluindo gasodutos e cabos de energia, o C-Lion partilha 800 quilómetros da sua extensão com o gasoduto Nord Stream, de transporte de gás russo para a Alemanha, danificado por explosões em 2022 nunca explicadas.

Os Estados Unidos acautelaram recentemente para a intensificação da atividade militar russa em torno de cabos submarinos. Para Washington, a probabilidade de operações de sabotagem russas a estas infraestruturas essenciais, aumentou.

Em abril de 2023, uma investigação conjunta das operadoras de televisão nacionais da Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia, indicou que Moscovo dispõe de uma flotilha de navios espião suspeitos de operar em águas nórdicas como parte de um programa de sabotagem de cabos sobmarinos e de quintas de vento na região.
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