Surto inevitável com o cerco. Especialistas receiam escalada de mortes em Gaza devido à poliomielite

por RTP
Reuters

O alerta dos médicos, dos especialistas e das organizações humanitárias foi lançado há meses: a escalada do conflito entre Israel e o Hamas e a consequente crise humanitária em Gaza podia levar ao surgimento de um surto de poliomielite na região. Depois de 25 anos sem registo de infeção, o Ministério da Saúde palestiniano identificou um caso da doença num bebé de 10 meses, nascido pouco antes do início da guerra e que, por isso, não tinha sido vacinado. A campanha de vacinação de crianças em Gaza começou esta semana, mas as autoridades dizem que, tendo em conta as condições em que a população vive atualmente, um surto será inevitável.

A Organização Mundial de Saúde, a agência da ONU para os refugiados (UNRWA) e a UNICEF são as responsáveis pela campanha de vacinação contra a poliomielite em Gaza, que começou no início deste mês com o objetivo de vacinar cerca de 157 mil crianças. No entanto, esta meta foi ultrapassada no fim dos dois primeiros dias no centro de Gaza.

No total, o objetivo é vacinar cerca de 640 mil crianças com menos de 10 anos em todo o enclave e aumentar a taxa de vacinação para 95 por cento - depois de ter caído para 89 por cento em 2023, devido à guerra.

“A descoberta de poliomielite em Gaza lembra-nos que se está a tornar cada vez mais difícil avaliar o verdadeiro custo da guerra”, criticou a investigadora norte-americana Devi Sridhar, citada pelo Guardian

“Não temos noção de quão disseminadas estão a doença e a fome – as chamadas “mortes indiretas” – e não sabemos o número total de mortes”.

Telavive e o Hamas continuam sem conseguir um acordo de cessar-fogo, mas foram alcançadas pausas humanitárias temporárias para travar a propagação de poliomielite no enclave. Israel aceitou que a ONU conduza a campanha de vacinação em três fases: três ou quatro dias, conforme necessário, no centro da faixa de Gaza, seguidos de outros tantos dias no sul e depois no norte da faixa de Gaza.

“As tentativas da ONU para aceder à Faixa de Gaza, como a que resultou em pausas humanitárias para vacinação contra a poliomielite, salvam vidas”, frisou ainda a presidente de saúde pública global na Universidade de Edimburgo. 

“Fazem a diferença na vida de centenas de milhares de famílias, mesmo dentro do horror abjeto da guerra”.

A vacina contra a poliomielite está a ser administrada por gotas orais e consiste em duas doses, pelo que as organizações humanitárias e o exército preveem organizar uma segunda ronda de imunização para o final de setembro. Gaza esteve livre do vírus durante 25 anos até que, no passado dia 16 de agosto, foi registado um caso da doença num bebé de 10 meses, nascido pouco antes do início da guerra, que não tinha sido vacinado.

As autoridades do enclave atribuem este ressurgimento às más condições em que vive a população por causa da guerra, desde superlotação à escassez de água e produtos de higiene e à convivência com esgotos.

Segundo a ONU, "é necessária uma cobertura de pelo menos 90 por cento em todas as fases da campanha para travar a epidemia", uma vez que o poliovírus é altamente infecioso e se transmite com mais frequência através de esgotos e água contaminada, um problema cada vez mais comum em Gaza, com grande parte das infraestruturas destruídas.

A doença afeta principalmente crianças com menos de cinco anos e pode causar deformidades e paralisia, sendo potencialmente fatal. A maioria das crianças não estava vacinada por terem, desde início do conflito, estado em deslocação quase constante dentro do território, devido às ordens de evacuação do exército israelita.
PUB