"Os seus guarda-costas foram desarmados e um mandato de captura foi-lhe entregue ao abrigo de crimes não especificados. Estão a decorrer tentativas de o localizar", começou por referir, em comunicado, o SPLM-IO. Horas depois, confirmou a detenção do vice-presidente. O partido condenou uma "violação evidente da Constituição e do Acordo de Paz
Revitalizado", que pôs fim à guerra de 2013-18 entre as forças leais a
Machar e as do presidente Salva Kiir.
"Condenamos veementemente os atos inconstitucionais cometidos hoje pelo Ministro da Defesa e pelo Chefe da Segurança Nacional, que, acompanhados por mais de vinte veículos fortemente armados, entraram à força na residência do Vice-Presidente. Os seus guarda-costas foram desarmados e foi emitido um mandado de prisão contra ele, sob acusações obscuras", afirmou a declaração, partilhada no Facebook por Reath Muoch Tang, chefe de relações externas do partido de Machar.
A detenção do vice-presidente e líder da oposição, coloca o país "à beira do conflito", lamentou a ONU, apelando mais uma vez as partes à retenção e a escolher a via da paz.
“Esta noite, os líderes do país podem regressar ao conflito total ou mover o país em direcção à paz, recuperação e democracia, no espírito do consenso que foi alcançado em 2018, quando se comprometeram a implementar um Acordo de Paz Revitalizado”, disse o chefe da Minuss, Nicholas Haysom, num comunicado.
Haysom havia já apelado, esta semana, a um encontro entre os líderes do país, o
presidente Salva Kiir e Riek Machar, para evitar o regresso a um
"conflito generalizado" no país.
Depois de anos de relativa acalmia, a tensão
política regressou ao Sudão do Sul na véspera de eleições e depois do presidente Salva Kiir, de
73 anos, ter iniciado há alguns meses manobras para garantir a sua
sucessão.
Ao mesmo tempo, tem tentado afastar o principal rival, Riek Machar, do plano político, através de
remodelações ministeriais. Mais de 20 aliados políticos e militares de
Machar no seio do Governo de coligação e do exército foram detidos desde
fevereiro, e muitos estão detidos em segredo.
Antes
da invasão domiciliária, a residência de Machar em
Juba, capital do Sudão do Sul, estava cercada há já três semanas por
forças governamentais.
Nessa altura foram
detidos o ministro do Petróleo e diversos altos responsáveis
militares, aliados do vice-presidente, sem que fossem dadas quaisquer
razões para as detenções.
Conflito alastra
Confrontos entre o exército federal leal ao presidente Salva Kiir e o Exército Branco, uma milícia acusada de colaborar com Machar, têm abalado o país nas últimas semanas, sobretudo no nordeste e ameaçam já a capital.
Os habitantes de Juba foram acordados esta madrugada com disparos de
artilharia depois de confrontos ao longo de 24 horas. O braço armado do
partido da oposição, liderado por Riek Machar, acusou as forças federais
do presidente Kiir de ter atacado dois centros de treino dos seus
homens, às portas da cidade.
Apesar do regresso à normalidade esta quarta-feira, depois dos disparos
matinais, a tensão mantinha-se elevada na capital. "Tenho a impressão de
regressar à guerra, quando necessitamos de paz", afirmou à agência
France Press uma das habitantes, Lilian Sukeji.
"A violência que rebentou em março em Nasir parece espalhar-se a um
certo número de Estados do Sudão do Sul", reconheceu Daniel Akech,
investigador do Grupo de Crise Internacional, à AFP. "A recusa de Kiir e
de Machar de iniciar um diálogo, apesar da pressão internacional,
constitui um alerta vermelho", estimou ainda.
Se o conflito
chegar a vias de fato será muito difícil de controlar, acrescentou Akech,
e poderá escapar rapidamente ao controlo dos dois líderes.
A situação tem-se complicado com a intervenção de forças armadas do Uganda que têm combatido as forças de Machar no sul, a pedido de Kiir.
Segunda-feira, Keir Machar acusou o Uganda de violar um embargo de armas das Nações Unidas, ao entrar no Sudão do Sul com unidades blindadas e da força aérea e conduzir ataques aéreos no país.
Apelo da ONU
"Encorajamos o presidente e o vice-presidente a adotar as medidas necessárias para evitar novos confrontos militares e estabelecer a calma, encontrando-se para resolver os seus diferendos", apelou Nicholas Haysom, o chefe da missão da ONU no país, Minuss, em comunicado.
Haysom já denunciou recentes ataques
indiscriminados contra civis, incluindo bombardeamentos aéreos com
engenhos contendo "um líquido extremamente inflamável".
O Sudão do Sul é um dos países mais jovens do planeta e vive em instabilidade crónica, sobretudo devido à rivalidade entre os dois maiores grupos étnicos do Sudão do Sul, os Dinka, dedicados à pastorícia, e os Nuer, seminómadas, a qual afeta toda a política e o equilíbrio de poderes.
A guerra civil entre os líderes de cada grupo, Kiir e Machar, fez mais de 400 mil mortos e levou à deslocação de quatro milhões de pessoas, entre 2013 e 2018.