Substâncias psicotrópicas encontradas em recipiente egípcio com 2.200 anos apontam para rituais alucinogénios
Foi descoberta a primeira evidência física de substâncias alucinogénias num recipiente cerâmico do Egito antigo, do período ptolomaico. A investigação aos resíduos numa caneca em forma de cabeça do deus anão Bes lança luz sobre possíveis rituais com mais de dois mil anos.
Bes é uma antiga divindade egípcia associada à fertilidade, práticas de proteção e purificação mágica e a sua imagem foi replicada em diversos objetos de culto, como contentores de líquidos.
Uma investigação que começou em 2021 recolheu uma amostra de pequenas partículas de dentro do vaso com o formato da cabeça do deus anão Bes e descobriu que esse conteúdo era uma mistura de ingredientes muito complexa, disse o coautor do estudo, Davide Tanasi, da University of South Florida, nos Estados Unidos.
A utilização deste recipiente remonta aos séculos IV a.C. − século II a.C., permanecem porém dúvidas sobre o uso exato, somando teorias várias que passavam por ser contentor de água sagrada ou fazer parte de rituais mágicos.
“Durante muito tempo, os egiptólogos têm especulado sobre o porquê de canecas com a cabeça de Bes terem sido usadas”, disse Branko van Oppen, curador de arte grega e romana no Museu de Arte de Tampa da Florida e coautor do estudo.
“Agora esta investigação ensina-nos sobre rituais mágicos no período greco-romano no Egito”, acrescenta, citado na Archaeology Magazine.
Alquímia com propriedades psicotrópicas e medicinais
Alquímia com propriedades psicotrópicas e medicinais
Os cientistas identificaram uma mistura complexa de ingredientes recorrendo a técnicas inovadoras, como a metabolómica - estudo biológico de identificação e quantificação de ligações químicas de uma célula, tecido ou fluidos biológicos -, conjugada com técnicas genéticas também com a microespectroscopia de infravermelho.
"Identificamos com sucesso a presença de várias substâncias funcionais, bioativas, psicotrópicas e medicinais, lançando luz sobre os diversos componentes de uma mistura líquida usada para práticas rituais no Egito ptolomaico do séc. II a.C.", sublinha a equipa.
O estudo decifrou que a mistura incluía plantas com propriedades psicotrópicas e medicinais, como arruda selvagem (Peganum harmala), nenúfar azul egípcio (Nymphaea nouchali var. caerulea) e uma planta do género Cleome.
"As nossas análises revelaram traços de Peganum harmala, Nimphaea nouchali var. caerulea e uma planta do género Cleome, todas tradicionalmente comprovadas por terem propriedades psicotrópicas e medicinais", descreveram os especialistas.
A infusão de base alcoólica, continha ainda aromatizantes como mel e/ou geleia real, sementes de gergelim, pinhões ou óleo de pinho do Mediterrâneo, alcaçuz e uvas, "usados para, eventualmente, dar sabor e colorir o líquido, fazendo-o parecer sangue".
Fluidos humanos, como sangue, leite materno e muco, também faziam parte da mistura, de acordo com Tanasi.
Os fluidos corporais em particular serviram como um grande indicador de que a mistura era usada em práticas rituais antigas. A presença de líquidos fermentados à base de frutas, proteínas e metabólitos adicionou ainda mais complexidade à bebida, explicam os investigadores.
Na análise foi também detetado “traços de fluidos corporais humanos, como sangue e saliva, sugerindo a inclusão intencional na mistura”.
Sob o feitiço de Bes
Essas descobertas indicam que o conteúdo do vaso provavelmente foi consumido em contexto de um ritual: "Era uma poção mágica, destinada a inebriar, saciar e induzir alucinações ou sonhos proféticos”, sublinhou Tanasi.
Fluidos humanos, como sangue, leite materno e muco, também faziam parte da mistura, de acordo com Tanasi.
Os fluidos corporais em particular serviram como um grande indicador de que a mistura era usada em práticas rituais antigas. A presença de líquidos fermentados à base de frutas, proteínas e metabólitos adicionou ainda mais complexidade à bebida, explicam os investigadores.
Na análise foi também detetado “traços de fluidos corporais humanos, como sangue e saliva, sugerindo a inclusão intencional na mistura”.
Sob o feitiço de Bes
Essas descobertas indicam que o conteúdo do vaso provavelmente foi consumido em contexto de um ritual: "Era uma poção mágica, destinada a inebriar, saciar e induzir alucinações ou sonhos proféticos”, sublinhou Tanasi.
Este estudo aponta associações entre o uso da caneca Bes e o “Mito do Olho Solar”, onde Bes acalma Hathor, uma deusa do céu, com uma bebida alcoólica com drogas disfarçada de sangue.
O curador Van Oppen acrescenta outra abordagem para o uso desta mistura como os rituais de fertilidade e parto.
Acredita-se que as Câmaras de Bes em Saqqara, perto das Grandes Pirâmides de Gizé, eram locais onde as mulheres procuravam proteção divina durante as gestações, considerado um período repleto de riscos no mundo antigo.
“Essa combinação de ingredientes pode ter sido usada num ritual mágico indutor de visões de fututo, perantes receios de complicações no parto", explicou.
O recipiente foi aquirido pelo museu de Arte de Tampa, no Estado norte-americano da Florida, em 1984, a um colecionador particular, que por sua vez o teria comprado na Galeria de Arte Maguid Sameda, no Cairo, em 1960. Não é claro o local esta representação de Bes foi encontrado originalmente.
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