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Sonho de casa própria ainda se faz com bidão e "tambor" em Cabo Verde

por Lusa

Guiadas pelo sonho de casa própria e perante rendas que o bolso não suporta, centenas de famílias cabo-verdianas ergueram nos últimos anos casas de bidão ou "tambor" em São Vicente, que de provisórias passam, habitualmente, a quase definitivas.

Esse "provisório" já dura há quatro anos para Ivanilda Sousa, 30 anos, residente na zona de Ribeirinha mas natural da ilha de Santiago, mas desde criança a viver com a mãe na ilha de São Vicente.

"Morávamos antes numa casa arrendada por 8.000 escudos [72,5 euros], mas com muitos problemas na estrutura e quando chovia sofríamos muito porque caía água dentro da casa. Compramos este terreno de uns vizinhos que já o tinham cavado, mas tivemos que o comprar também na Câmara Municipal para o legalizar", explica a jovem, à conversa com a Lusa.

Vive com a mãe e três sobrinhos na casa de "tambor" - à base das chapas de tambores, madeira, algumas pedras e normalmente uma base de cimento - com dois quartos, sala, cozinha e casa de banho, que ali construiu.

O saneamento básico ainda não chegou por aqueles lados, pelo que teve que improvisar uma solução para as necessidades da família.

"Fizemos fossa na casa de banho e compro água na casa do vizinho das ruas de baixo", acrescenta Ivanilda, que trabalhava como vendedora ambulante antes da mãe ficar doente. Agora desempregada, a família depende apenas dela e a mãe dos seus cuidados de saúde.

O breu é uma realidade nas noites do monte que escolheu para viver, já que a encosta é também procurada como proteção, porém, não muito longe vê a eletricidade da vizinhança que vive mais abaixo.

Juntamente com as outras casas por perto, também de "tambor", esperam pela chegada, pelo menos, da `luz`, mas não de mãos atados. É que os caminhos de carro, ainda em terra batida, foram feitos pelos moradores do mesmo bairro informal e a própria Ivanilda conta que sempre que chove paga para a manutenção, e assim os carros conseguem chegar à sua residência.

"Antes das chuvas tenho que limpar atrás da residência para que a lama não entre casa adentro", frisa.

O cenário de informalidade é vísivel em alguns pontos daquela ilha, a segunda mais importante de Cabo Verde e considerada a capital cultural do arquipélago, mas foi também confirmado pelos dados preliminares do quinto Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH-2021), realizado em julho pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) de Cabo Verde.

É que dos 23.976 edifícios recenseados na ilha de São Vicente, apenas 68,5% estão concluídos, o terceiro pior registo dos 22 concelhos (nove ilhas habitadas). E desse total, 7,3% são considerados como edifícios "não clássicos", que o INE descreve como barracas ou casas de bidão, a percentagem mais elevada do país e que corresponderá a 1.750 desses edifícios só em São Vicente, mais de metade das 2.977 que o INE contabilizou em Cabo Verde (crescimento de 85,7% face a 2010).

Noutro bairro informal de São Vicente, na zona da Espia, a Lusa encontrou Jéssica Gomes, 26 anos, que confessa que o maior receio na casa de "tambor" em que vive é a época das chuvas.

"A lama entra pelas traseiras da casa e todas as vezes estraga muita coisa, por causa da altura que chega. Já até tivemos que nos refugiar em casa de parentes", recorda a jovem. Sublinha que recentemente, com a previsão das chuvas na ilha, a autarquia de São Vicente concedeu-lhe ajuda para que a família pudesse construir um muro que protegesse a casa das enxurradas, porém ainda não teve tempo para concluir os trabalhos.

"O meu marido pretende assim que possível começar a construção e até lá espero que não chova muito", diz, ao mesmo tempo que enfatiza que quando chove é obrigada a desligar a eletricidade, para não haver curto-circuitos.

Naquela casa de "tambor", construída pelo marido, vive apenas o casal, mas o sonho é, aos poucos, substitui-la por uma estrutura de blocos.

Os sonhos não terminam pela casa própria que idealiza e espera também por um acesso mais fácil à estrada, pela água canalizada ou pela ligação da sua casa de banho à rede de saneamento. Entretanto, sublinha, apesar da fragilidade da casa, possui ligação elétrica legal, assim como é legal a situação do terreno comprado na Câmara Municipal.

Nestes bairros informais em São Vicente é prática habitual a população marcar terrenos em zonas íngremes, por conta própria, e construir as casas de chapa, para só depois procurar a autarquia para o processo de legalização.

De acordo com os dados preliminares do RGPH-2021, apresentados este mês pelo INE, o número total de edifícios em Cabo Verde aumentou 31,3% desde 2010, para os atuais 150.016.

Destes, 146.161 são considerados "clássicos" (+29,9%), mas 41.488, em todo o país, estão em situação de "não concluídos", de acordo com os números preliminares do RGPH-2021, cuja recolha de dados no terreno decorreu de 16 de junho a 07 de julho.

O recenseamento concluiu que existem em Cabo Verde 2.977 edifícios "não clássicos", entre os quais "barracas, casas de bidão ou contentores", 90,1% dos quais nos meios urbanos.

No recenseamento realizado em 2010, foram identificados 1.603 edifícios "não clássicos" em Cabo Verde, pelo que os dados de 2021 indicam um crescimento de 85,7%.

"A maioria das barracas é em São Vicente [7,3%], Sal [6,6%] e Boa Vista [3%]. E depois uma percentagem pequena [1,5%] na Praia", explicou anteriormente a coordenadora técnica RGPH-2021, Maria de Lurdes Lopes..

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