Muitos dos sobreviventes que escaparam à fúria do rio Revuboé, em Tete, centro de Moçambique, não querem voltar para a mesma morada e desanimam com a perspetiva de não ter outro sítio onde viver.
Hoje, com o recuo das águas, após a tempestade Ana, regressam aos escombros das suas casas, no bairro Chingodzi, mergulhado em lama, mas não se conformam e exigem um reassentamento urgente.
"Já não dá mais para voltar" à zona baixa do rio Revuboé, disse à Lusa, Celestina Paulo, que sobreviveu à segunda enxurrada em dois anos naquele bairro, o subúrbio mais populoso da cidade de Tete e onde mais de metade das casas ficaram submersas.
Mesmo após a enchente de 2019, provocada pelo ciclone Idai, muitos moradores regressaram à `zona de cheias`, uns porque acreditavam que as "novas cheias só seriam daí a 10 ou 40 anos", outros porque não tinham alternativa, senão correr o risco.
"Desta segunda vez, escapámos com sorte, porque a água veio de dia", defendeu Celestina Paulo.
Se o caudal subisse à mesma velocidade durante a noite, "todos íamos morrer", porque poucos poderiam escapar por entre caminhos afunilados de uma área com construções desordenadas.
"O bairro está construído num caminho de água", sublinha a doméstica que quer procurar um outro lugar para morar: "da próxima, não nos vamos salvar mais".
Amusa Ussene caminha entre trilhos lamacentos para chegar à casa que desabou com todos os bens no interior, adquiridos depois de se reerguer das inundações de há dois anos, num quintal que não pensa em voltar a construir.
"Não quero continuar a construir naquele espaço", disse à Lusa, na esperança de que o governo lhes entregue uma terra para se reerguerem dos traumas provocados pelas chuvas.
Um outro deslocado, Lameque Raimundo, tem agora pavor de uma nova invasão das águas e afirma: "nunca mais quero voltar àquele lugar, por causa das cheias".
Muitos agora acolhidos em tendas de rafia e pavilhões multiusos do Instituto Industrial de Tete, onde foi improvisado um centro de acolhimento, querem um novo destino à saída do local, após a época chuvosa.
A tempestade Ana já fez, pelo menos, 20 mortos em Moçambique, seis dos quais em Tete, num balanço ainda por terminar.
De acordo com as Nações Unidas, entre 2016 a 2021, o país enfrentou duas grandes secas e oito tempestades tropicais, incluindo os grandes ciclones Idai e Kenneth, em 2019, que num período de seis semanas afetaram 2,5 milhões de pessoas.
A época chuvosa de 2018/2019 foi das mais severos de que há memória em Moçambique: 714 pessoas morreram, incluindo 648 vítimas dos dois maiores ciclones de sempre a atingir o país.
Segundo a ferramenta de avaliação de risco de desastres Inform, Moçambique ocupa o nono lugar entre 191 países quanto à vulnerabilidade a perigos, exposição a riscos e falta de capacidade de resposta, acrescenta o UNICEF.