Situação financeira e de segurança nos territórios palestinianos "muito crítica" alerta ONG

por Lusa

O administrador de uma organização de saúde palestiniana distinguida pela Fundação Champalimaud alerta que a situação financeira e a segurança nos territórios palestinianos é "muito crítica", mas acredita que, tratando-se da Terra Santa, os "milagres acontecem".

Numa entrevista à Lusa em Lisboa, onde recebeu hoje o prémio em nome do Grupo de Hospitais Oftalmológicos de São João de Jerusalém (SJJEHG, na sigla inglesa), Ahmad Ma`ali, administrador da única organização filantrópica que há mais de 140 anos presta cuidados oftalmológicos especializados em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, descreveu uma situação social difícil e potenciadora de extremismos.

"Se não tivermos dinheiro suficiente, não vamos procurar cuidados oftalmológicos, vamos ignorá-los, bem como os nossos problemas de saúde. A situação financeira e a segurança na Cisjordânia e na ANP (Autoridade Nacional Palestiniana) são muito críticas neste momento, o que está a afetar todos os aspetos da vida", frisou Ma`ali, lembrando que 75% dos licenciados em Gaza estão desempregados.

"As pessoas são realmente pobres, sem emprego e sem esperança. Infelizmente, algumas delas farão coisas estúpidas, pois não têm nada a perder. Penso que a situação política e socioeconómica está a levar as pessoas a tomar medidas muito drásticas. É muito fácil uma pessoa tornar-se extremista, pois o solo é fértil", advertiu.

Sublinhando que ter como "principal preocupação cuidar dos doentes" e que por isso tenta manter-se "afastado da política", Ma`ali, advertiu para a facilidade de se chegar a extremismos, quando a própria ANP é "incapaz" de lidar com os problemas das pessoas, incluindo pagar atempadamente aos funcionários públicos, "afetando a capacidade de levar uma vida normal". 

Em termos sanitários, Ma`ali considera que a situação sanitária no terreno, onde a prevalência da cegueira é 10 vezes superior à verificada no Ocidente, é "complexa", responsabilizando quer a ANP, quer as autoridades israelitas.

"As pessoas têm os seus direitos e as suas obrigações também. Penso que há lugar para toda a gente na Terra Santa. Há lugar para os árabes, há lugar para os palestinianos, para os judeus e para toda a gente. É um território muito bonito. É triste que seja tão complicado neste momento", acrescentou, admitindo que não existe, no futuro próximo, uma solução para o conflito israelo-palestiniano.

Para Ma`ali, o quadro político "não parece bom, parece muito mau". 

"Mas estamos na Terra Santa, os milagres acontecem e penso que se houver líderes de ambos os lados que estejam realmente dispostos a resolver o problema e a encontrarem-se algures no meio - ninguém pode ficar com tudo e ter paz ao mesmo tempo - têm de chegar a um compromisso", salientou o administrador do SJJEHG.

"Espero que um dia consigamos chegar a uma solução, quer se trate de uma solução com dois Estados, quer se trate de uma solução com um Estado", sustentou.

Ma`ali aponta que uma das soluções passa pela necessidade de as pessoas, na Palestina e em Israel, terem de "crescer".

"As pessoas têm de compreender que os israelitas e os palestinianos vão existir para sempre e que têm de aprender a viver em conjunto. Podem chegar a uma solução, quer se trate de dois Estados, de um Estado ou de qualquer outra solução", afirmou, considerando-se uma pessoa "otimista", mesmo apesar da realidade no terreno.

E essa realidade passa por uma maior intervenção da comunidade internacional, que se tem "esquecido" do conflito israelo-palestiniano face à invasão russa da Ucrânia.

"Sejamos honestos, (os Estados Unidos) são a superpotência, são bons aliados dos israelitas e penso que alguns esforços, como o da administração Clinton, tentaram chegar a quase 90% da solução, mas de alguma forma alguém decidiu não a seguir. Penso que os norte-americanos, se quiserem realmente resolver o problema, podem fazê-lo", sustentou, admitindo, porém, que o cenário está agora mais complicado.

"Agora é mais complexo, porque este governo de extrema-direita em Israel torna mais difícil para os EUA e para o mundo pressionar o executivo [de Benjamim Netanyahu], porque sabemos que boa parte dele é constituída por alguns líderes de extrema-direita que, em muitos aspetos, não estão preparados para chegar a qualquer compromisso ou a encontrar-se com os palestinianos", acrescentou.

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