Singapura. Trump e Jong-un cara a cara para a cimeira do tudo ou nada

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
“A desnuclearização total, verificável e irreversível da Península Coreana é o único desfecho que os Estados Unidos aceitarão”, avisou o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo Tyrone Siu - Reuters

Desnuclearização é a palavra-chave que estabelece todos os limites para o diálogo desta terça-feira entre o Presidente norte-americano, Donald Trump, e o líder norte-coreano, Kim Jong-un. Essa é, pelo menos, a perspetiva do sucessor de Barack Obama e parece ser ele, neste momento, quem está a dar as cartas.

Por outro lado, os holofotes estarão sobre o Presidente dos Estados Unidos face à pressão que vem exercendo nos últimos meses sobre o regime de Pyongyang, ao qual aplicou, particularmente nas últimas semanas, uma estratégia do mundo dos negócios, com um bluff que o levou a ameaçar por várias vezes desmarcar o encontro de Singapura.

Um dado é certo. Depois do fiasco da Cimeira do G7, Trump não pode dar-se ao luxo de mais um golpe de teatro como aquele que protagonizou no prólogo canadiano este fim de semana. Desagradado com o comportamento do primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, o Presidente norte-americano retirou a assinatura da ata conjunta dos sete países mais ricos do mundo e lançou-se numa diatribe contra Otava que estará mais relacionada com as renegociações em curso do NAFTA, o acordo de comércio entre os Estados Unidos, México e Canadá, do que com os assuntos levados à reunião do G7.

A recente imposição de tarifas sobre importações de aço e alumínio que aqueceu as relações com os principais parceiros de trocas, lançando o comércio mundial numa guerra comercial mais do que indesejada, é outra das molduras que poderá condicionar a irascibilidade do líder norte-americano. O que não deixará de convocar a uma leitura irónica do encontro, já que Donald Trump parece, nesta altura, ter um melhor relacionamento com um ditador do que com os seus parceiros mais chegados, incluindo vizinhos territoriais e o próprio Reino Unido.A reconversão de Kim
Mais temperado parece estar Kim Jong-un, que não se faz ouvir há semanas, contrastando com a atitude belicista que vinha assumindo nos últimos anos. O líder norte-coreano poderá sentir que as demonstrações de força, com testes nucleares regulares – incluindo da bomba de hidrogénio -, lhe garantiram uma boa posição à mesa de negociações, sentindo agora que o momento é de contenção. Foi de facto um líder descontraído aquele que há mês e meio visitou a Coreia do Sul, quebrando uma barreira política que há décadas separava os dois países. Já antes a irmã do líder assistira à abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno na Coreia do Sul, com os dois países a desfilarem em conjunto sob a bandeira de uma península unificada.

Ana Romeu, Osvaldo Costa Simões - RTP

O passo em direção a sul foi antecedido por uma visita discreta à China, onde terá procurado o conforto do seu mentor antes de avançar para qualquer contacto com os Estados Unidos.

A viagem do líder norte-coreano à capital chinesa foi então vista à luz da agenda internacional de Pyongyang dos meses seguintes, em concreto, os encontros com o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in e com o Presidente norte-americano, Donald Trump. Não foi contudo claro o conteúdo dos contactos de Kim com o presidente chinês, Xi Jinping, sabendo-se no entanto que acompanharam o líder norte-coreano o ministro dos Negócios Estrangeiros, Ri Yong-ho, e um grupo de altos funcionários da administração e do Partido dos Trabalhadores, parcelas fundamentais da contabilidade diplomática da Península Coreana no ano que corre.

Uma tese que ganhou força foi a do regresso do filho pródigo, ou seja, Pyongyang a procurar a reconciliação com o patrono natural depois de desgastar a relação com uma série de testes nucleares que mereceram uma censura generalizada. Há décadas que Pequim funciona como asa protetora do regime de Pyongyang, mas nos últimos anos - e em particular nos últimos meses - a relação entre os dois países tinha-se desgastado face à determinação do líder norte-coreano em pôr de pé um programa nuclear consolidado, com um arsenal capaz de remover qualquer cenário de ameaça a partir da Coreia do Sul ou do aliado dos sul-coreanos em Washington. O sinal mais revelador de uma paciência a esgotar-se chegou com a inédita luz verde de Pequim aos pacotes de sanções levadas pelos Estados Unidos ao Conselho de Segurança da ONU. Pequim cortaria mesmo a ajuda ao regime, o que foi lido como o desejo dos chineses de não quererem ver alimentado um diferendo nuclear à porta de casa.

Com informação direta de Pequim, a viagem de Kim Jon-un foi vista por Donald Trump como um sinal de boa vontade e de viabilização do cenário de uma desnuclearização da Península Coreana. A questão pode no entanto estar nos interstícios da terminologia.As condições de Donald
Sabe-se que a Administração Trump exige no essencial o cumprimento de três pontos na agenda do encontro desta terça-feira: a desnuclearização, o fim dos testes com mísseis e o fim das ameaças militares (à Coreia do Sul); o que não é claro é o conteúdo da contra-oferta americana. Mas nada disto apaga a questão terminológica. Como é referido por alguns analistas, Kim poderá de facto estar disposto a entregar o programa em que vem trabalhando há anos e aceitar o processo de desnuclearização; há porém a forte possibilidade de o líder norte-coreano entender que desnuclearização significa desnuclearização de toda a península, ou seja, não apenas da Coreia do Norte mas também da Coreia do Sul.

Kim Jong-un foi, aliás, muito explícito acerca deste ponto, quando admitiu a Xi Jinping que estava disposto a ceder no programa nuclear mas com condições: “A questão da desnuclearização da Península Coreana pode ser resolvida, se a Coreia do Sul e os Estados Unidos responderem aos nossos esforços com boa vontade, criando uma atmosfera de paz e estabilidade, tomando medidas nesse sentido”.

Kim Jong-un poderá aqui exercer as suas exigências no sentido de anular a parceria militar que existe entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos, com as frequentes operações militares e manobras conjuntas nas águas da Coreia. E, fruto do recente encontro com Pequim, pode supor-se que a sombra chinesa estará projectada no encontro entre Kim e Trump."O único desfecho"
A ideia de que o líder coreano prepara um reinado à sua medida está igualmente nas recentes mexidas que fez no aparelho militar, removendo três generais de topo. O facelift da cúpula do exército anunciado na semana passada faz parte de uma mudança vem sendo levada a cabo desde que Kim Jon-un assumiu o poder, em 2011. Os militares que estão agora de saída têm 68, 77 e 81 anos, o que sugere a renovação por uma geração mais nova, homens da confiança do líder que já ocupavam posições sensíveis e de alto nível e que, sublinharam os analistas, “lhe são muito leais e com experiência na interação com delegações estrangeiras”.

Sérgio Vicente, Nuno Castro - RTP

É, portanto, uma cimeira de tudo ou nada, uma última oportunidade que está a ser pesada com todos os cuidados em Pyongyang. Do outro lado, o secretário de Estado Mike Pompeo já fez saber que a Administração americana está preparada para o caso de as conversações falharem. Redobrar o pacote de sanções – o próprio presidente Trump já acenou com uma lista de 300 medidas nesse sentido – e o implementar de medidas de segurança como não foram vistas até agora, nas palavras de Pompeo.

Para que isso não venha a acontecer, o chefe da diplomacia deixou o recado: “A desnuclearização total, verificável e irreversível da Península Coreana é o único desfecho que os Estados Unidos aceitarão”. Há poucos meses Donald Trump referia-se a Kim Jong-un como rocket man (homem foguete). Esta terça-feira começa a contagem decrescente para uma nova era das relações entre os dois. Falta saber que sentido darão aos 20 milhões de dólares despendidos para realizar a cimeira.
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