Com a chegada ao poder do presidente ultraliberal, Javier Milei, começaram a soar na Argentina os alarmes dos direitos das mulheres que depois de se mobilizarem e lutaram contra a violência machista e pelo aborto legal, se sentem agora menos protegidas, representadas e empobrecidas. Nos primeiros meses de governação, o executivo de Javier Milei, não só eliminou o Ministério das Mulheres e o reduziu a secretaria de Estado, como se opôs ao aborto e à linguagem inclusiva.
Adeus ao Ministério das Mulheres
“Se uma das principais promessas da campanha do (antigo presidente) Alberto Fernández em 2019 era criar um Ministério das Mulheres, Géneros e Diversidade, uma das de Javier Milei este ano foi erradicá-lo”, escreveu o jornal argentino La Nación, a 3 de dezembro.
Ambos cumpriram. Com a tomada de posse do presidente argentino Alberto Fernández, a 10 de dezembro de 2019, foi criado o Ministério das Mulheres, em funções durante quatro anos, que acabou por ser encerrado no final de dezembro de 2023, com a chegada ao poder do presidente “antifeminista” Javier Milei.
Ainda quando era deputado do La Libertad Avanza (LLA), o atual presidente argentino, afirmou durante o
lançamento do seu livro
“Javier Milei. El camiño del libertario”, em maio de 2022, que não tinha de “pedir desculpa por ter um pénis” e que não tinha “de ter vergonha de ser um homem branco, louro, de olhos azuis-claros”.
“Tenho que assegurar que no meu governo não vai haver marxismo cultural. Aliás, já todos sabem que o
Ministério das Mulheres perderá o rasto, porque a única igualdade é
perante a lei", prometeu.
Com a sua tomada de posse, o Ministério das Mulheres celebrou a sua existência numa publicação de despedida, na sua conta oficial do Instagram, no dia 10 de dezembro. “Fizemos história!”, celebrou ao
representar, com empenho e convicção, “as lutas históricas dos movimentos feministas e da diversidade” e ao “traduzir essas necessidades em políticas públicas que salvam vidas”.
Durante quatro anos de gestão foi possível, de acordo com o Ministério, “acompanhar mais de 1 milhão e 800 mil mulheres e pessoas LGBTI+”, através de programas e políticas levadas a cabo em todo o país, nomeadamente através da linha (de apoio) 144, a formação sobre a Lei Micaela, os programas Acompañar, Acercar Derechos, entre outros, e de leis como a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE, na sigla em espanhol).
O organismo foi substituído por uma “Subsecretaria de Estado para a Proteção contra a Violência de Género”, que integra desde então o ministério do Capital Humano, liderado por Sandra Pettovello, apesar de ser um dos Ministérios com menor orçamento.
Ocupava a 17ª posição de um total de 19 Ministérios, e representava apenas 0,2 por cento do total das despesas, de acordo com dados do Gabinete Nacional de Orçamento. Não encaixando, desta forma, na filosofia da famosa frase do presidente de que “no hay plata” (não há dinheiro, em português), utilizada durante a campanha eleitoral.
No entanto, este está longe de ser o único corte orçamental e ideológico nas políticas e despesas públicas, anunciadas pelo chefe do novo Governo.
“Agenda assassina do aborto”
Após a aprovação da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE, na sigla em espanhol), em dezembro 2020, o direito das mulheres ao aborto na Argentina também está em risco. Uma vez que os deputados do partido no poder, La Libertad Avanza (LLA), estão a tentar revogar a lei da legalização do aborto, conseguida após uma forte mobilização dos movimentos feministas.
No dia 5 de fevereiro, o partido de Javier Milei apresentou no Congresso
um projeto de lei - entretanto rejeitado - para voltar a criminalizar o aborto, no entanto não se tratava apenas de uma inversão da lei atual, que permite às mulheres abortar legal e gratuitamente até às 14 semanas de gestação, como escreve o jornal
El País.
O texto apresentado era ainda mais restrito do que o Código Penal, que esteve em vigor na Argentina entre 1921 e 2020, uma vez que não o autoriza nem mesmo em casos de violação, em que o juiz não tem a última palavra. E porque, entendem que a violação “tem sido sistematicamente interpretada como uma justificação para a prática”.
A única exceção prevista para a não criminalização da interrupção era quando o objetivo era evitar um perigo iminente para a vida da mãe “desde que o perigo não possa ser evitado por outros meios”.
O projeto de lei propunha penas de até três anos de prisão para “uma mulher que provoque o seu próprio aborto ou consinta que outra pessoa o provoque". Mas também previa penas de um a quatro anos para os profissionais de saúde que ajudem uma mulher a interromper a gravidez ou penas de até dez anos para quem efetue um aborto sem o consentimento da mulher. Pena que poderia ser aumentada para 15 anos, se a mulher morrer na sequência do procedimento.
Segundo noticiou o jornal
The Guardian, a 18 de março, a retórica antiaborto de Javier Milei tem levado um número crescente de médicos argentinos a recusarem-se a fazer abortos, o que tem aumentado a preocupação dos profissionais de saúde que temem pelo regresso dos abortos clandestinos.
"Isso está a ter um impacto muito negativo", contou Julieta Bazán, médica de um hospital dos subúrbios de Buenos Aires, ao jornal britânico. "O estigma entre os profissionais aumentou - eles temem fazer parte de equipas de aborto”, disse. Também Florencia Sabaté, porta-voz da Fundación MujeresXMujeres, contou ao Guardian que: "nos últimos quatro meses, muitas mulheres foram informadas erradamente por médicos e enfermeiros de que não podem fazer um aborto. As mulheres dizem que têm medo. Acham que agora não têm escolha".
Foram realizadas cercas de 250 mil interrupções voluntárias da gravidez no setor público em todo o país, desde a entrada em vigor da Lei 27.610, promulgada a 14 de janeiro de 2021. Até à data, a mortalidade materna caiu quase para metade, de 23 mortes por ano em 2020, para 13 no ano seguinte.
Apesar de o porta-voz da presidência, Manuel Adorni, ter afirmado que o projeto de lei apresentado pela deputada Rocío Belén Bonacci, do partido LLA, e apoiada por outros deputados do partido, não se tratava de uma iniciativa do presidente e que não era uma prioridade do executivo, Javier Milei e a sua vice-presidente, Victoria Villarruel, já se tinham oposto fortemente ao aborto legal durante a campanha eleitoral e anunciado o desejo de revogar a lei atual.
Nos últimos meses o presidente da Argentina, Javier Milei, manifestou-se várias vezes contra o aborto legal, tanto através das redes sociais onde escreveu, na sua conta pessoal do X, que “acabar com a vida de um ser humano indefeso não é um direito”.
Mas também em discursos diante de estudantes ou líderes mundiais, onde considerou o aborto uma “tragédia” e um “homicídio agravado”, ou acusou os seus apoiantes de serem “assassinos” ou “assassinos dos lenços verdes”, fazendo referência aos apoiantes da aprovação da lei e ao emblema que caracteriza as lutas feministas na Argentina.