Pela primeira vez os cientistas completaram a sequência de um genoma humano, quase 20 anos depois da primeira sequenciação, em 2003. "É como ter encontrado as páginas que faltavam a um livro policial, precisamente as que revelavam quem é o assassino".
As palavras são de Jonas Korlach, líder da equipa de cientistas da Pacific Biosciences que desenvolveu parte da tecnologia usada para preencher o que faltava. Michael Schatz, professor de computação e biologia que participou nas pesquisas de sequenciação pela universidade John Hopkins, equivale a conquista à colocação de todo o continente africano no mapa do mundo.
Estes pedaços de genoma até agora em falta e de início considerados como lixo, deverão permitir estudar o desenvolvimento humano, compreender como o ADN difere de pessoa para pessoa e entender assim a diversidade humana, incluindo a evolução e padrões migratórios, assim como descortinar o papel que as diferenças genéticas desempenham em doenças, abrindo a porta à possibilidade de adaptar tratamentos à composição genética de cada indivíduo e a descobertas sobre o envelhecimento e o cancro.
A pesquisa foi publicada esta quinta-feira na revista Science em seis artigos publicados e em mais de uma dezena de artigos divulgados noutras publicações.
Dois métodos revolucionários
Em 2003 o Projeto Genoma Humano, lançado em 1985, anunciou que tinha sequenciado 92 por cento do genoma humano. A revelação dos oito por cento restantes demorou quase mais duas décadas e necessitou de uma equipa de quase 100 cientistas do Consórcio Telomero-a-Telomero (T2T).
“Ter esta informação completa irá permitir-nos perceber melhor como nos formamos enquanto organismo individual e como é que variamos não apenas entre humanos como relativamente a outras espécies”, afirmou à CNN o investigador Evan Eichler do Instituto Médico Howard Hughes da Universidade de Washington.
Os genes agora sequenciados são extremamente complexos. Só na última década duas novas tecnologias de sequenciação permitiram concluir o projeto. Um foi o método Oxford Nanopore de sequenciação de ADN, que permitiu aos investigadores alinharem em sequência até um milhão de letras ADN de uma só vez, com alguns erros e o segundo o PacBio HiFi, que permitiu sequenciar 20 mil letras com 99.9 por cento de precisão.
A sequenciação permitiu perceber que “estes genes são incrivelmente importantes para a adaptação. Contêm genes de resposta imunitária que nos ajudam a adaptar e a sobreviver a infeções e a pragas e a vírus” ou de que forma os nossos corpos limpam toxinas. “Contêm genes que são… muito importantes em termos de prever a resposta a medicamentos” disse Eichler.
Noutros mapas, acrescentou, “faltavam capítulos inteiros do livro da vida”. Agora “podemos ler o livro de forma contínua quase sem erros, da página 1 até ao último capítulo”.
“É um sonho realizado” celebrou.
Mais 400 milhões de letras
O ADN consiste em quatro pares bases de nucleótidos, expressos simplesmente nas letras A,C, T e G (moléculas de ácido desoxirribonucleico que contêm as instruções genéticas que transmitem as características herdadas dos pais). Um genoma individual é um conjunto completo destas sequências. No mapa inicial os investigadores desconriram que existiam três mil milhões destes pares de letras no genoma humano. Faltavam as seções de cinco cromossomas.
A nova pesquisa soma 400 milhões de letras ao ADN já sequenciado – o equivalente a todo um cromossoma.
A pesquisa analisou algumas das regiões mais complexas do genoma, como as que têm cópias extra de genes e ADN repetitivo dentro e em redor dos telómeros (extremidades dos cromossomas que os protegem) e dos centrómeros (estruturas centrais que separam os braços curto e longo dos cromossomas e estão envolvidas na divisão celular).
O trabalho do consórcio T2T pôs também a descoberto longos trechos de ADN que são duplicados no genoma e são conhecidos por desempenhar papéis importantes na evolução humana e na doença.
O trabalho do consórcio T2T pôs também a descoberto longos trechos de ADN que são duplicados no genoma e são conhecidos por desempenhar papéis importantes na evolução humana e na doença.
A pesquisa foi pré-publicada antes de surgir na Science, para permitir outras equipas usar a sequência nos seus próprios estudos.
Parte destes genes agora revelados são mesmo responsáveis por tornar os cérebros dos seres humanos maiores do que os de outros primatas, providenciando dados sobre o que torna os seres humanos únicos.
Sequenciar um genoma é semelhante a resolver um puzzle, afirmou
Eichler.
Quando um puzzle tem 10 mil peças é difícil
encaixar corretamente as peças sobretudo quando elas se assemelham. O
mesmo se passa com as pequenas seções repetitivas de ADN. A dificuldade é
menor em segmentos de ADN tal como em puzzles com 500 peças.
Por isso é primeiro é necessário quebrar o ADN em pedaços menores, e
depois utilizar máquinas de sequenciação para os juntar na ordem
correta. Os primeiros métodos só permitiam sequenciar pequenas seções de
ADN de uma só vez.
Genoma a 1.000 dólares
Estes oito por cento que faltavam ao genoma humanos continham regiões genéticas com várias repetições, que criava dificuldades acrescidas à sequenciação na ordem correta usando métodos mais antigos. As primeiras técnicas só conseguiam sequenciar cerca de 500 pares de letras de uma só vez. As novas tecnologias pode ler cerca de 100 mil pares e detetar repetições.
As repetições desempenham ainda um papel nos centrossomos, a pequena área no centro dos cromossomas envolvida na cópia correta do material genético quando uma célula se divide em duas.
Há espécies, como as borboletas, que não têm quaisquer repetições.
A sequenciação de 92 por cento do genoma humano custou quase 450 milhões de dólares. Completar a sequência necessitou somente de uma fração desse financiamento. Com a nova tecnologia a sequenciação irá ser ainda mais barata.
Estamos contudo ainda longe do momento em que cada pessoa terá a sequência do seu próprio genoma. O estudo das variantes entre indivíduos deverá permitir no futuro próximo aos médicos adaptarem os tratamentos a cada doente.