O plano para estabelecer o primeiro centro de armazenamento de dados lunar, em moldes comerciais, está prestes a deixar de ser ficção.
A ideia de transferir centros de dados da Terra para a Lua já está em andamento pela mão de Stephen Eisele, presidente da empresa Lonestar Data Holdings, fundada em 2018, com sede na cidade de São Petersburgo, no Estado norte-americano da Florida.
“A maneira como vemos é que, ao colocar o centro de dados no espaço, estamos realmente a oferecer uma segurança incomparável no armazenamento de dados”, garante Eisele.
O CEO da Lonestar, Chris Stott, reitera que
“essa ideia de usar o maior satélite da Terra como ponto de ancoragem, a distância não impede que possamos ter segurança nas comunicações”.
Os centros de dados são armazéns que alojam baterias de computadores que por sua vez armazenam e processam informações usadas por sites, empresas e governos.
A empresa Lonestar explica que ao colocar na Lua fisicamente estes conjuntos de equipamentos “oferecerá ainda um aproveitando da energia solar ilimitada para os alimentar”.
E porquê avançar para o espaço?
Esta procura de soluções fora da superfície terrestre prende-se, em grande medida com o aumento da procura de armazenamento global e a dificuldade de encontrar locais adequados na Terra para instalar mais armazéns de dados.
O crescimento destes centros de armazenamento e processamento de dados está intimamente ligado também ao
aceleramento da tecnologia de Inteligência Artificial que necessita de amplas quantidades de informação recolhidas globalmente.
De acordo com os consultores de gestão global McKinsey, a quantidade de centros para armazenar dados deverá
crescer na ordem dos 19 a 22 por cento, até 2030.
Para alojar estes novos equipamentos, para além do espaço que ocupam, da energia e água que precisam para refrigeração,
as populações não querem esse tipo de vizinhança, nem esse impacto ambiental, argumenta a empresa.
Por isso a Lonestar apresenta-se empenhada em fazer um caminho pioneiro para colocar centros de dados no espaço – seja em órbita ao redor da Terra ou na Lua.
A empresa alega que “os data centers espaciais poderão ainda especializar-se em serviços para naves espaciais e outras instalações espaciais, com
transferências de dados espaço-espaço mais rapidamente do que do solo”.
Planos concorrentes
A Comissão Europeia também já tinha pensado nesta solução e no ano passado encomendou um estudo sobre a viabilidade de colocar centros de dados fora do planeta Terra.
De acordo com o relatório da Ascend, realizado pela Thales Alenia Space - uma joint venture entre os grupos aeroespaciais franceses e italianos Thales e Leonardo - a implantação de centros de dados no espaço "poderia transformar o cenário digital europeu", e ser "mais ecológico".
Proposta dos centros de dados no espaço | Thales Alenia Space
Thales Alenia Space prevê mesmo a construção de uma
“constelação de 13 satélites com uma área de 200 por 80 metros e com um poder total de processamento de dados de cerca de 10 megawatts (MW)”. Isso equivale a um data center de médio porte médio baseado em terra, com cerca de cinco mil servidores, sustenta o estudo.
Porém, os planos dos armazéns de dados espaciais apresentam muitos desafios, adverte Damien Dumestier, arquiteto do projeto Ascend na Thales Alenia Space.
Para além de tornar os propulsores para lançar os foguetes dez vezes menos emissivos ao longo de seus ciclos de vida, Dumestier lembra que tudo “depende do investimento e das decisões a serem tomadas, isso pode ser feito para 2030 ou 2035, o que significa viabilidade comercial antes de 2037”.
Também Domenico Vicinanza, professor associado de sistemas inteligentes e ciência de dados na Universidade Anglia Ruskin, no Reino Unido, diz que há inúmeros obstáculos e não se refere apenas ao preço do envio para o espaço das infraestruturas.
“Os centros de dados baseados no espaço exigirão não apenas o equipamento de dados, mas também a infraestrutura para protegê-los e arrefecê-los. Tudo isso se soma em peso e complexidade”, adverte.
Arrefecer o equipamento pode apresentar dificuldades porque “mesmo que o espaço seja frio, os sistemas de refrigeração convencionais não funcionam bem sem gravidade”, argumenta Vicinanza, citado na BBC.
Empreendimento e economia espacial
De acordo com a empresa de armazenamento de dados, em março passado, testaram com sucesso um pequeno dispositivo de armazenamento de dados do tamanho de um livro.
Foi acoplado ao módulo Athena Lunar Lander da empresa de exploração espacial dos EUA, Intuitive Machines. Este engenho, foi lançado por sua vez, por um foguete da SpaceX de Elon Musk.
Rob Long, presidente e CEO da Space Florida acentuou a necessidade de apoiar este caminho em direção à Lua: “Aproveitar o espaço como um recurso para negócios, inovação e sustentabilidade a longo prazo é fundamental para impulsionar o crescimento da nova economia espacial. Na Space Florida, estamos comprometidos com o avanço da infraestrutura e a promoção de parcerias que garantam que a Flórida continue sendo o principal centro de comércio interplanetário”.
Classificando como um passo histórico para armazenamento de dados no espaço, Long felicitou os "parceiros da Lonestar nesta missão de teste bem-sucedida à Lua".
A empresa Lonestar enviou recentemente equipamento de teste para a Lua neste módulo lunar | Intuitive Machines
Stephen Eisele reitera que as instalações espaciais oferecem mais segurança para governos e empresas. Sustenta que os dados, por não precisarem de ser encaminhados através de redes terrestres a informação, são irradiados diretamente pelo espaço para uma estação terrestre dedicada.
"É como ter os cofres na parte de trás do banco", descreve Eisele. “Uma pessoa não precisa de abri-los todos os dias, mas está lá para fornecer uma medida extra de segurança, e a distância da Terra à Lua oferece isso – é muito mais difícil de hackear, muito mais difícil de acessar”, sublinha.
Pequeno armazenamento de dados da Lonestar / Intuitive Machines | Lonestar Data Holdings
Explica ainda que o tempo que os dados demoram a percorrer a distância entre a Terra e a Lua será "cerca de um segundo e meio para chegar ao solo - o que não é problema para algumas aplicações, como armazenamento de dados de longo prazo e backups".
Para Chris Stott, os centros de armazenamento de dados espaciais podem ajudar as organizações a cumprir os regulamentos sobre a soberania dos dados, ou seja, a necessidade de manter os dados das pessoas no país de origem.
“Sob a lei espacial, essa caixa eletrónica está literalmente sob a lei do licenciamento ou lançamento do Estado – é uma embaixada real no espaço”, defende.
Remata afirmando que a Lonestar "já tem clientes alinhados, como o Estado da Flórida e o Governo da Ilha de Man".