Ross Perot. Multimilionário e candidato presidencial morreu aos 89 anos

por Graça Andrade Ramos - RTP
Ross Perot em abril de 2012 Reuters

Empresário e dono de uma fortuna avaliada este ano em 4,1 mil milhões de dólares, Ross Perot marcou a história política americana no final do século XX, ao assumir-se nos anos 90 como a voz dos descontentes dos partidos tradicionais norte-americanos, Democrático e Republicano.

Ross Perot concorreu por duas vezes à Presidência dos Estados Unidos, como independente e com campanhas maioritariamente financiadas por ele próprio, baseadas na denúncia das despesas governamentais e no consequente aumento constante do défice em sucessivas administrações - um assunto a que ele próprio se referia como a "tia maluca que vive na cave", de quem ninguém fala.

Em 1992 liderou as sondagens Gallup ao longo de cinco meses antes das eleições, com 39 por cento das preferências eleitorais, contra os 31 por cento conseguidos por George W. Bush (Partido Republicano) e os 25 por cento obtidos por Bill Clinton (Partido Democrático). Perot morreu esta terça-feira em casa, aos 89 anos. "Ross Perot, o empresário inovador e marido, irmão, pai e avô amantíssimo, faleceu cedo esta terça-feira, na sua casa em Dallas, rodeado da sua devotada família", lê-se na declaração publicada pela família.

Apesar de ter conseguido 18,9 por cento do voto popular, falhou nos votos do Colégio Eleitoral e ficou pelo caminho.

Muitos consideram-no responsável pela derrota de Bush e consequente vitória de Clinton nesse ano, por ter "roubado" quase 19 por cento de eleitorado, provavelmente republicano.

Ross Perot voltou a concorrer em 1996, desta vez pela formação que ajudou a fundar, o Partido Reformador. Conseguiu 8,4 por cento dos votos populares, na segunda eleição ganha por Bill Clinton.

A sua pronúncia texana, os modos francos e assertivos, as propostas económicas "de trazer por casa", marcaram a política norte-americana, tanto como a sua baixa estatura, o cabelo curto e as orelhas salientes com as quais ele próprio gozava.
O "sonho americano"
Nascido em Texarkana a 27 de junho de 1930, filho de um casal rigoroso de fé Metodista, Henry Ross Perot começou a trabalhar aos sete anos. Domou cavalos, vendeu sementes, revistas e jornais, assim como cavalos e equipamento equestre.

Mesmo sem ser um aluno brilhante, conseguiu bons resultados escolares, devido à sua persistência trabalho e dedicação, características que manteve ao longo da vida. "Se era preciso saber a numeração romana, Ross aprendia-a de cor e salteado e e sabia-a melhor do que qualquer outro", lembrou há alguns anos um antigo colega de classe.

Foi por três vezes eleito presidente de turma, duas delas enquanto frequentava a Academia Naval dos Estados Unidos, em Annapolis. Conheceu ali a mulher, Margot Birmingham, com quem casou em 1957 e com quem teve cinco filhos.

Após servir quatro anos na marinha norte-americana, Ross Perot empregou-se na IBM como vendendor. A empresa rejeitou a sua proposta para vender mais computadores através de um serviço de apoio aos clientes, ensinando-os a tirarem maior partido das máquinas.

"Tornou-se cada vez mais óbvio para mim que as pessoas compravam o harware mas não sabiam utilizá-lo. O que queriam eram sistemas que trabalhassem", explicou depois.

Face à recusa da IBM, Ross Perot despediu-se e fundou a EDS, Electronic Data Systems em 1962, precisamente para dar esse apoio. Começou assim a fazer fortuna, conseguindo clientes tão importantes como a Medicare e a Segurança Social, entre muitos outros.
Milionário do dia para a noite
A EDS tinha fama de conseguir o impossível e os seus funcionários, recrutados entre veteranos de guerra, trabalhavam muitas vezes mais de 20 horas seguidas, quando implantavam projetos. Ross Perot impuna-lhes também um código de vestir - camisa branca, fato escuro e nada de pelos faciais.

Em 1968, o empresário tornou a empresa pública e, em 24 horas, passou a valer 350 milhões de dólares. Foi capa da Forbes e diria depois que se sentiu "como se tivesse sido atingido por um cometa".

Em 1984, Ross Perot vendeu a EDS à General Motors por 2,5 mil milhões de dólares. Depois de uns anos falhados no Conselho de Administração da GM, e de sair com uma indemnização de 700 milhões de dólares, voltou à liça. 

Fundou a Perot Systems, em 1988, especializada no apoio à industria médica e farmacêutica, que acabaria por vender à Dell em 2009, por 3,9 mil milhões de dólares.

Em 2016, de acordo com a revista Forbes, estava entre os 170 homens mais ricos dos Estados Unidos. Ele próprio afirmou ter "vivido o sonho americano".
Desafiador e inconformado
Ross Perot era conhecido pela filantropia e pelo "olho" para os negócios. Foi um dos "anjos" que financiou a NeXT, a empresa fundada por Steve Jobs depois de este ser expulso da Apple.

Os seus sucessos tornaram-no habituado a ganhar e destemido. Quando dois dos seus empregados foram detidos no Irão em 1978, organizou uma equipa de comandos entre os seus funcionários e contratou um coronel Boina Verde para os libertar.

A operação, que incluiu uma falsa revolta na prisão para cobrir a fuga dos dois homens, acabaria por inspirar o livro de Ken Follet On Wings of Eagles e uma minissérie de televisão.

Perot denunciou o alegado abandono de milhares de militares norte-americanos no Sudoeste Asiático após a guerra do Vietname, e financiou várias operações de libertação, com poucos resultados.

Fez também abertamente campanha contra a primeira Guerra do Golfo, e contestou a NAFTA - o Acordo de Comércio Livre da América do Norte, que considerava o "grande sorvedouro do sul".

Os reveses eleitorais, apesar dos resultados obtidos junto dos eleitores moderados, afastaram-no da política ativa, embora tivesse apoiado posteriormente a maioria dos candidatos presidenciais republicanos, incluindo George Bush e Mitt Romney.

Os seus críticos afirmavam que Perot tinha também uma veia vingativa, que o tornava capaz de gastar milhares de dólares para perseguir e ameaçar inimigos, incluindo o uso de fotografias comprometedoras de adversários políticos.

Financiou, por exemplo, investigações de que Ronald Reagan e George W.Bush tinham atrasado propositadamente, para depois das eleições, a libertação dos norte-americanos reféns no Irão.

O próprio dizia que "gostava de agitar as águas".

Os seus últimos anos viram-no viver sossegadamente em Dallas. Afirmou numa entrevista que o seu sonho era "morrer a dançar com a mulher, Margot, quando tivesse 94 anos. Noventa e quatro, ou mais".

O sonho não se concretizou. No início de 2019 foi-lhe diagnosticada uma leucemia, à qual não resistiu.
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