Dois medicamentos contra a artrite reumatóide disponíveis em Portugal triplicam o risco de contrair vários tipos de cancro e duplicam o de infecções graves, indica um novo estudo norte-americano já criticado pelos laboratórios que produzem os fármacos.
A investigação, patrocinada pela Clínica Mayo, baseia-se em estudos anteriores sobre riscos associados ao Humira (feito pelo laboratório Abbot), e ao Rumicade (da Centocor) que se centravam num tipo de cancro, o linfoma, e em infecções como a tuberculose e a pneumonia.
O novo estudo - publicado na edição de hoje do Journal of the American Medical Association (JAMA) - constata uma aparente ligação a outros cancros, nomeadamente da pele, gastrointestinais, da mama e do pulmão.
Além disso, o estudo quantifica os riscos e assinala que as doses mais elevadas parecem implicar maior risco.
Em Portugal, o Remicade (Infliximab como nome genérico) foi aprovado pelo Infarmed em 1999 e o Humira (Adalimumab) em 2003, indica o site do instituto que regula os medicamentos em Portugal.
Ambos são ambos injectáveis, o primeiro por via intravenosa e o segundo por via subcutânea.
Embora as informações contidas nas embalagens mencionem alguns dos riscos, os laboratórios dizem que o novo estudo não prova que a medicação esteja errada e consideram incorrecta a investigação.
A artrite reumatóide afecta mais de 2 milhões de norte- americanos e caracteriza-se por uma disfunção do sistema imunológico que ataca as articulações em todo o corpo, causando dor, deformações e incapacidade.
John Klippel, presidente da Arthritis Foundation, considera que o estudo não deverá alterar a atitude dos médicos, tendo em conta os numerosos pacientes que já beneficiaram destes dois medicamentos, e de um outro, o Enbrel, que bloqueiam a produção de uma proteína associada a processos inflamatórios.
O Enbrel (Etanercept) não foi incluído no estudo por ser diferente a nível molecular - explicou um dos autores do estudo, o reumatologista Eric Matteson, da Clínica Mayo.
Este investigador está a trabalhar para o laboratório Centocor no desenvolvimento de um novo medicamento contra a artrite reumatóide e admitiu ter sido pago pelos promotores do Enbrel (Wyeth and Amgen) para fazer uma análise semelhante só deste medicamento.
As ligações de Matteson ao Centocor e o seu trabalho sobre o Enbrel são algumas das omissões e erros criticados nos textos que acompanham o estudo no JAMA.
Reagindo às críticas, Eric Matteson disse que as omissões foram "descuidos" seus e que tinha chamado a atenção dos responsáveis pelo jornal para estas questões na sexta-feira.
De acordo com a agência norte-americana Associated Press, tanto Matteson como o outro autor do estudo, Tim Bongartz, já trabalharam como consultores do laboratório Abbott para trabalhos não relacionados com o estudo.
Em consequência da controvérsia, e numa atitude rara, os editores do jornal colocaram uma correcção na sua edição electrónica em que anunciam terem solicitado à Faculdade de Medicina da Clínica Mayo um inquérito "à natureza e extensão destas incorrecções e incompletudes".
Os investigadores analisaram dados de nove estudos comparativos do Humira e do Remicade com placebos e reuniram os resultados.
Ocorreram 29 cancros em 3.493 pacientes que tomaram pelo menos uma dose de um dos dois medicamentos, e surgiram apenas três cancros em 1.512 pacientes tratados com placebos.
Quanto às infecções graves, ocorreram em 126 pacientes medicados e 26 que estavam com placebos.
Um porta-voz do Abbott disse que a análise "não reflecte todos os dados" sobre o Humira e que os estudos eram demasiados pequenos para monitorizar suficientemente a incidência de cancro.
Na perspectiva do Centocor, o vice-presidente para as questões médicas, Tom Schaible, considerou que os estudos analisados usaram doses de Remicade superiores às recomendadas. "Há claramente uma relação favorável de riscos-benefícios com as doses recomendadas", afirmou.