Retorno dos taliban ao poder. Dois anos de opressão dos direitos das mulheres afegãs
"As mulheres vão ser muito ativas na nossa sociedade", garantiram os taliban, na sua primeira conferência de imprensa, pouco depois de terem retornado ao poder, a 15 de agosto de 2021. Dois anos passaram e as promessas não foram cumpridas. Pelo contrário. Relembramos aqui os momentos que marcaram, progressivamente, a repressão dos direitos das mulheres no Afeganistão.
As medidas tomadas pelo Governo taliban visaram, desde a sua subida ao poder, os direitos das mulheres e raparigas para quem a vida mudou repentinamente. No acesso à educação, ao trabalho ou à vida pública tornarem-se reféns de um dos sistemas de repressão mais severos do mundo.
Nos últimos dois anos, e à luz de mais de 50 decretos, ordens e restrições, as autoridades islamistas impuseram um modo de vida rigoroso que suprimiu os direitos às mulheres e raparigas afegãs em todo o país, conquistados durante os últimos 20 anos.
Começaram pelas restrições à educação das raparigas e ao direito das mulheres ao trabalho, seguiram com a aplicação de códigos de vestuário e impuseram restrições severas à liberdade de circulação e acesso à vida pública em sociedade.José Manuel Rosendo e Sérgio Ramos, enviados especiais da RTP a Cabul
Setembro de 2021: limitação de acesso ao ensino secundário
Apesar de terem garantindo a oportunidade às mulheres de estudarem no seu primeiro discurso - “vamos permitir que as mulheres estudem e trabalhem dentro da nossa estrutura”, prometeram -, apenas um mês após terem subido ao poder, uma declaração do Ministério da Educação afegão desvendou a intenção taliban. Anunciaram a abertura das escolas secundárias exclusivamente para rapazes, não fazendo qualquer referência às raparigas.
O Ministério dos Assuntos das Mulheres do antigo regime foi eliminado pelos talibam, semanas após terem tomada o poder, substituindo-o pelo Ministério dos Costumes e das Virtudes.
Dezembro de 2021 a março de 2022: restrições à mobilidade
Ao longo dos meses, novas restrições foram sendo introduzidas, como as restrições de viagem dentro do país. Em dezembro de 2021, o novo Ministério dos Costumes e das Virtudes do Governo afegão impôs a obrigatoriedade de acompanhamento por um familiar masculino próximo a mulheres que percorressem distâncias superiores a 72 quilómetros.
Apesar de o departamento de educação do Governo taliban ter anunciado, em março de 2022, que “todos os alunos” poderiam frequentar a escola no início do novo ano letivo, a promessa não se efetivou.
Maio de 2022: novos códigos de vestuário
O novo decreto impôs às mulheres e raparigas a obrigação de se vestirem da cabeça aos pés e sob validação dos membros masculino da família, que, de acordo com o mesmo texto, deveriam certificar-se que a lei era cumprida, sob pena de serem alvo de ações judiciais.
Outubro a dezembro de 2022: vedados espaços públicos, universidades e trabalho
As mulheres foram progressivamente proibidas de entrar nos diversos espaços públicos, como os parques, jardins, ginásios ou banhos públicos. Em novembro de 2022, o Ministério afegão dos Costumes e das Virtudes proibiu as mulheres de entrarem nos parques de Cabul.
Em dezembro, o Ministério do Ensino Superior ordenou a suspensão da frequência de universidades públicas e privadas a todas as mulheres.
Ainda no final do ano o Ministério da Economia ordenou a todas as organizações não-governamentais locais e internacionais a operar no país que limitassem o acesso ao trabalho às suas funcionárias mulheres, impondo a revogação das suas licenças.
Julho de 2023: proibição de entrar em cabeleireiros
Um dos únicos espaços onde as mulheres ainda se podiam reunir sem ser controladas pelos taliban eram os cabeleireiros e salões de beleza. Mas a 4 de julho o Governo taliban anunciou que estes espaços iriam ser encerrados, deixando desempregadas milhares de mulheres, que ficam assim mais vulneráveis económica e socialmente.
Cada vez mais impedidas de trabalhar, estudar ou viver como outrora, em todo o país, mulheres e raparigas continuam a sair às ruas, para protestar e exigir a recuperação dos seus direitos. No entanto, o esforço tem sido em vão, sendo impedidas por diversas ocasiões com recurso à violência.