Restos mortais de Franco mantêm-se para já no Vale dos Caídos

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Mais de quatro décadas após a morte, o ditador espanhol continua a fazer mexer o sistema judicial, os media e a opinião pública Susana Vera - Reuters

Uma decisão do Supremo espanhol voltou esta terça-feira a arrastar a decisão de exumar os restos de Francisco Franco do Vale dos Caídos, nos arredores de Madrid. A mudança das ossadas do ditador espanhol estava prevista para a próxima segunda-feira, dia 10 de junho, mas o tribunal acaba de adiar a operação mais polémica dos últimos anos em Espanha.

O Supremo Tribunal espanhol explica a decisão que acaba de anunciar com a necessidade de “evitar os danos que de outra forma seriam causados (…) aos interesses públicos se, exumados os restos mortais [de Francisco Franco], fosse levado em conta o recurso e fosse necessário voltar a colocá-los no local em que estão agora”.

Mais de quatro décadas após a morte, o ditador espanhol continua a fazer mexer o sistema judicial, os media e a opinião pública. Há vários anos que a saída do Escorial, no Vale dos Caídos, tem sido exigida pelos críticos e detratores do franquismo. Inicialmente construído como um monumento fúnebre para dar sepultura às vítimas da Guerra Civil, Franco acabaria por se tornar no defunto mais célebre do mausoléu erguido pelo próprio Franco às portas da capital.

Face à petição da família do ditador, o tribunal considera que a trasladação dos restos mortais deve ser adiada até que que haja uma decisão definitiva que não redobre a polémica em que o processo está envolvido.

Cinco magistrados puseram para já o carimbo na petição da família para suspender os trabalhos de trasladação de Franco para o cemitério de El pardo, em Madrid, onde está sepultada a sua mulher, uma operação, lembra o diário El País, em que trabalha o Governo de Pedro Sánchez “praticamente desde a sua chegada ao palácio da Moncloa”.

A decisão vai ao encontro da petição dos sete netos do ditador, que advertem para “um dano irreparável” se a operação for levada a cabo. “Nenhuma família deve ser obrigada a passar por duas exumações e três enterros de um dos seus entes queridos até que se levem a cabo todos os expedientes jurisdicionais em que podem ser garantidos os seus legítimos direitos”, refere o recurso apresentado ao Supremo.

Têm sido, de facto, vários os expedientes das organizações franquistas e da família do ditador a ser colocados na engrenagem da remoção de Francisco Franco do Vale dos caídos. Desde o requerimento de novo funeral com honras militares à escolha do novo repouso, até a questões técnicas para a remoção da lápide gigantesca que esconde as ossadas do ditador, tudo tem servido para adensar a polémica e evitar o levantamento da pedra tumular de tonelada e meia que marca a sepultura na basílica do Escorial.

Por agora, é uma questão técnica que interpõe entre Franco e as retroescavadoras, mas é outra a dimensão em que se move a grande parte dos 17 recursos: fala-se ali de direito ao “descanso eterno”. Mais adiantam que desenterrar o ditador é privá-lo do dogma de fé da ressurreição dos mortos.
Uma lápide de tonelada e meia

Em fevereiro, o assunto assumiu contornos mais técnicos do que políticos, apesar de ser neste campo que se está a fazer a luta em torno das ossadas do ditador que governou Espanha durante quatro décadas e cuja falta é sentida em particular pela direita e extrema-direita espanholas.

O município de San Lorenzo, em cujo ordenamento está incluído o monumento do Vale dos Caídos, passou a autorização para a realização da obra que permitia então retirar as ossadas do Generalíssimo do local.

Face à iminência do desenterramento, foram muitas as ações que então entraram na Justiça espanhola, no total 17 recursos contra a decisão do município de San Lorenzo. Na notificação da suspensão recebida por Francisco Javier Zaragoza Ivars, advogado que interpôs 15 dos recursos, esclarece-se que a obra para exumar Franco não tem em conta “o risco de queda ou rutura e dano das pessoas” que estariam envolvidas na operação: “Não é preciso ser arquitecto, arquiteto técnico, engenheiro ou mestre-de-obras para perceber que se trata de uma manobra perigosa”.

Um tribunal de Madrid acabaria por suspender temporariamente a permissão passada pela autarquia de San Lorenzo de El Escorial para realizar a obra necessária à exumação de Francisco Franco do mausoléu.

No campo político, a proposta de exumação foi já aprovada duas vezes pelo Congresso espanhol: uma primeira em 2017, por 198 votos a favor e 140 abstenções, e uma segunda em 2018, por 172 votos a favor, 164 abstenções (PP e Ciudadanos) e dois contra (deputados do partido popular que disseram depois que se tratou de um erro).

As organizações anti-franquistas prometem, contudo, não dar descanso ao ditador e aos seus acólitos. A Associação para a Recuperação da Memória Histórica já fez entrar uma queixa contra a ausência de imparcialidade de um dos juízes do Supremo que agora fazem saber a sua decisão, José Luis Requero, que mantém uma relação de amizade com o advogado Santiago Milans del Bosch, colaborador da Fundação Franco. A Plataforma nem Valle nem Almudena, que reúne uma centena de associações, apressou-se a convocar uma manifestação de protesto frente ao Supremo.

“Cada dia que Franco passa em Cuelgamuros [nome inicial do local onde está contruído o Vale dos Caídos] é um insulto à sociedade espanhola e à democracia”, sublinha a plataforma.
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