"Repercussões significativas". EUA cortam relações com OMS e alarmam especialistas

por Joana Raposo Santos - RTP
Donald Trump aproveitou para relembrar que "o mundo precisa de respostas da China sobre o vírus". Foto: Jonathan Ernst - Reuters

Donald Trump anunciou na sexta-feira a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), algo que já tinha ameaçado fazer durante a crise pandémica provocada pelo novo coronavírus. A decisão está a alarmar grupos de especialistas médicos, que temem pela segurança da saúde global e alertam para "repercussões significativas".

“Porque falharam na realização das necessárias e solicitadas reformas, vamos terminar a nossa relação com a Organização Mundial da Saúde e redirecionar esses fundos para outras necessidades globais urgentes de saúde pública que sejam merecedoras”, declarou o Presidente norte-americano na sexta-feira.

Trump aproveitou a ocasião para relembrar que “o mundo precisa de respostas da China sobre o vírus” e que “tem de haver transparência". O líder insistiu que Pequim omitiu informações e acusou a potência mundial de pressionar a OMS para “enganar o mundo”.

“As autoridades chinesas ignoraram a sua obrigação de reportar informação à Organização Mundial da Saúde e pressionaram essa entidade a enganar o mundo quando o vírus foi inicialmente descoberto na China”, defendeu o Presidente. “Foram levadas inúmeras vidas e foram criadas profundas dificuldades económicas por todo o mundo”.

O corte de relações entre os Estados Unidos e a OMS tinha já sido sugerido por Trump em maio, quando enviou uma carta a essa agência a anunciar uma interrupção temporária do financiamento por parte dos EUA, ameaçando com o corte permanente de financiamento caso a Organização não se comprometesse “a alcançar melhorias substanciais” nos 30 dias seguintes.
Especialistas preocupados com saúde global
Grupos de especialistas em doenças infeciosas e outros profissionais de saúde estão a criticar a decisão do Presidente norte-americano, temendo que esta torne mais difícil a luta contra o novo coronavírus.

Para a Associação Médica Americana (AMA), o corte de relações entre os EUA e a OMS “não tem qualquer propósito lógico”. O grupo sublinhou que “a Covid-19 afeta todos nós e não respeita fronteiras” e que “derrotar o vírus requer que todo o mundo trabalhe em conjunto”.

“Esta ação [dos EUA] vai ter repercussões significativas e prejudiciais agora e a longo prazo, particularmente num momento em que a OMS está a liderar o desenvolvimento a nível global de uma vacina e de medicamentos que combatam a pandemia”, afirmou em comunicado o presidente da AMA. Os Estados Unidos eram, tradicionalmente, a nação que mais contribuía monetariamente para a OMS, tendo fornecido entre 107 a 119 milhões de dólares ao longo da última década. O país chegou a dar contribuições extra de 400 milhões de dólares por ano.

Também o antigo líder do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, Thomas Frieden, se opôs à retirada norte-americana. “Nós ajudámos a criar a OMS. Somos parte dela. Ela é parte do mundo, e virar-lhe as costas faz com que nós e o mundo fiquemos menos seguros”, declarou em comunicado.

“Agora, a China e todos os outros países do mundo poderão vetar decisões da OMS, mas os Estados Unidos não. Isto tornará os EUA mais vulneráveis”, explicou o especialista.

A decisão de Donald Trump pode também colocar em risco as crianças, de acordo com a Academia Americana de Pediatras. “A decisão da Administração Trump de sair da OMS carrega graves riscos para as crianças de todo o mundo nesta que é uma crise de saúde global sem precedentes”, defendeu o diretor-executivo da Academia, Mark Del Monte, citado pela CNN.

“Pode dar-se um aumento de casos de poliomielite e um aumento de mortes de crianças por malária, para além do risco de um maior atraso nas campanhas de vacinação que salvam vidas”, sugere o grupo de pediatras, que apelou aos Estados Unidos que “reconsiderem a sua posição e continuem a trabalhar com a OMS para combater a Covid-19 e promover a saúde infantil global”.
UE insta EUA a recuar na saída da OMS
A União Europeia também instou os Estados Unidos a recuarem na decisão de sair da Organização Mundial de Saúde, para evitar um "enfraquecimento dos resultados internacionais" no combate à Covid-19, anunciando a mobilização de verbas adicionais.

"Face a esta ameaça global, chegou o momento de reforçar a cooperação e de encontrar soluções comuns. Devem ser evitadas ações que enfraqueçam os resultados internacionais e, neste contexto, instamos os Estados Unidos a reconsiderarem a sua anunciada decisão", frisaram a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o Alto Representante da UE para a Política Externa, Josep Borrell, numa declaração conjunta.

Para estes responsáveis, "a cooperação e a solidariedade globais através de esforços multilaterais são as únicas vias eficazes e viáveis para vencer esta batalha que o mundo enfrenta", razão pela qual sustentam que "a OMS precisa de continuar a ser capaz de liderar a resposta internacional às pandemias, atuas e futuras".

"A UE continua a apoiar a OMS nesta questão e já disponibilizou financiamento adicional", anunciaram os responsáveis europeus.
Alemanha e Rússia condenam decisão
Este sábado, o Governo alemão considerou “desapontante” e “um sério retrocesso para a saúde mundial” a saída dos Estados Unidos da OMS.

Numa mensagem divulgada no Twitter, o ministro alemão da Saúde, Jens Spahn, aproveitou ainda para salientar a necessidade de reformar aquela instituição das Nações Unidas e insistiu que a União Europeia deve "comprometer-se mais" financeiramente após a decisão do Presidente dos EUA.

Entretanto, a chanceler alemã, Angela Merkel, rejeitou o convite do Presidente norte-americano para participar pessoalmente na cimeira do G7, em junho, nos Estados Unidos, devido ao contexto pandémico da Covid-19, revelou este sábado o seu gabinete.

A Rússia foi outra das nações a mostrar descontentamento, com uma porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros a declarar que Washington está a prejudicar a lei internacional sobre a cooperação na saúde.

"Quando o mundo precisa de consolidar esforços na luta contra a pandemia, Washington desfere um golpe no cimento da interação na esfera da saúde", disse Maria Zajárova, citada pela agência Interfax.

A representante da diplomacia russa questionou ainda sobre o que vão os Estados Unidos dar em troca desta decisão de saída da OMS.

c/ agências
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