A liderança do combate ao incêndio que destruiu uma torre de apartamentos em Londres, em 14 de junho de 2017, foi marcada por "lacunas graves", que contribuíram para a morte de 72 pessoas naquela noite, concluiu um relatório, parcialmente divulgado esta terça-feira pela imprensa britânica.
Já Matt Wrack, secretário-geral do sindicatos dos bombeiros londrinos, reagiu, considerando as conclusões "desleais e injustas", ao focar-se nas falhas das chefias intermédias dos bombeiros sem escrutinar também os responsáveis políticos de então, nomeadamente Boris Johnson, atual primeiro-ministro e mayor de Londres durante oito anos.
O documento, com 935 páginas, só deveria ser conhecido quarta-feira, mas foi apresentado segunda-feira aos familiares das vítimas e alguns excertos vieram a público. Refere-se à primeira fase do inquérito, correspondente à atuação dos bombeiros e aos resultados das análises forenses.
Estas indicaram que o sinistro teve início durante a noite, na cozinha de um apartamento do quarto andar e devido a uma falha elétrica num frigorífico, reiterou o relatório.
As chamas propagaram-se depois rapidamente a toda a torre de 23 andares, sobretudo devido ao revestimento, feito de placas de um material extremamente inflamável, aplicado durante uma anterior recuperação do edifício.
A tragédia viria a saldar-se por um total de 79 mortos e deixou o país em choque. Foram desde logo levantadas questões, sobre as medidas de segurança ou a renovação da torre, ocupada por famílias de poucos recursos e ali colocadas pelos serviços sociais britânicos.
Decisões tardias, mortes evitáveis
Na primeira fase do inquérito foram ouvidos o conselho local que administra aquela área de Londres, a gerência do condomínio, a polícia e os serviços de bombeiros.
Quanto estes últimos, o responsável pelas investigações não teve dúvidas em apontar o dedo.
"Identifiquei um certo número de lacunas graves na resposta das brigadas dos bombeiros de Londres, tanto no funcionamento da sala de controlo como no terreno do incidente", referiu o presidente da comissão de inquérito, Martin Moore-Bick, citado nos excertos publicados pela agência de notícias Press Association.
Se certas decisões tivessem sido tomadas mais cedo, afirma, o drama teria feito menos vítimas mortais. O relator criticou nomeadamente a decisão dos bombeiros de pedir aos habitantes para se manterem nos seus apartamentos após o início do incêndio.
Uma ordem dada pouco antes da 1h00 da madrugada e revertida só às 02h47, lembrou o relatório.
"Esta decisão poderia ter sido tomada entre a 01h30 e as 01h50 e teria provavelmente causado menos mortos", considerou Moore-Brick.O presidente da comissão elogia a "coragem extraordinária" dos bombeiros no local, alguns dos quais subiram muitos andares para ajudar os residentes a fugir, e reserva as críticas para as chefias das brigadas.
A comissão de inquérito concluiu que a preparação e o treino para um incidente da magnitude do incêndio da torre Grenfell foram gravemente inadequadas e que foram cometido erros graves durante a noite.
Em particular, "o conceito de deixe-se ficar, que se tornou um credo no seio da Brigada de Bombeiros de Londres (LFB), tão poderoso que abandona-lo era, para todos os efeitos, impensável", indicou o relatório.
Por essa razão, os comandantes seguiram essa estratégia durante demasiado tempo, o que levou os serviços de emergência a aconselharem repetidamente os residentes a esperar por socorro dentro dos seus apartamentos, enquanto o fogo se espalhava.
Teria havido muitos menos fatalidades se a decisão para evacuar o edifício tivesse sido tomada pelo menos uma hora antes, disse Moore-Brick.
Bombeiros defendem-se
O presidente da comissão criticou também a "extraordinária insensibilidade" do testemunho dado pela chefe da brigada de bombeiros, Dany Cotton.
"O testemunho de que ela não mudaria nada quanto à resposta do LFB naquela noite, até depois do benefício da retrospetiva, serve apenas para demonstrar que o LFB é uma instituição em risco de não aprender as lições do incêndio da Torre Grenfell", escreveu.
Cotton, que anunciou planos para se reformar, não comentou publicamente as notícias desta terça-feira. A sua defesa foi assumida por Matt Wrack, aos microfones da BBC Radio 4.
"A minha frustração com isto é que bombeiros estão a ser submetidos individualmente, incluindo oficiais seniores como Dany Cotton, a um grau de escrutínio a que escapam os ministros governamentais", acusou o secretário-geral do sindicato dos bombeiros de Londres.
O relatório está feito "de trás para a frente", referiu ainda Wrack, e devia ter antes de tudo analisado as causas de fundo da tragédia, como o revestimento externo que envolvia a torre. O próprio edifício "falhou em toda a linha", afirmou, e as ações das brigadas deviam ser analisadas nesse contexto, defendeu.
"Os bombeiros apareceram depois disso suceder, depois do edifício já se ter tornado, na realidade, numa armadilha mortal", disse ainda o sindicalista.
"Ninguém nunca evacuou um edifício residencial nestas circunstâncias na Grã-Bretanha", sublinhou. E, "ninguém explicou como se poderiam alertar os residentes quando não existia um sistema comum de alarme de incêndio".
Conclusões em 2022
Em teoria, os edifícios altos como os arranha-céus são concebidos de forma a garantir que um fogo não possa espalhar-se entre apartamentos.
Isso implica que é geralmente mais seguro para os habitantes permanecerem dentro das suas casas durante o combate às chamas, em vez de arriscarem a vida ao fugir e deparar com fumos perigosos, ou atrapalhar o trabalho dos bombeiros.
O incêndio da Torre Granfell foi atípico e espalhou-se tão rapidamente que os bombeiros foram incapazes de o conter e controlar. Acabou por destruir toda a torre, matando todos os que tinham permanecido lá dentro.
Estas circunstâncias, incluindo o que falhou na conceção e manutenção da torre, se as regras de segurança foram respeitadas e se eram adequadas, vão ser analisadas na fase dois do inquérito.
A investigação prossegue, mas não haverá qualquer decisão quanto a eventuais acusações criminais até à conclusão do inquérito público, prevista para 2022.