Relator da ONU considera "cínica" proposta dos EUA para criar porto em Gaza

por Lusa

A proposta norte-americana de construir um porto temporário em Gaza para transportar mais ajuda humanitária para o território palestiniano sitiado é "cínica", acusou hoje um relator das Nações Unidas (ONU).

"Esta é a primeira vez que ouço alguém dizer que precisamos de usar um cais marítimo. Ninguém pediu um cais marítimo, nem o povo palestiniano, nem a comunidade humanitária", disse Michael Fakhri, relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, durante uma conferência de imprensa em Genebra.

Desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, em outubro, a Faixa de Gaza mergulhou numa crise alimentar agravada por restrições à entrega de ajuda ao pequeno e sobrepovoado território.

No seu discurso sobre o Estado da União na quinta-feira, o Presidente norte-americano, Joe Biden, ordenou aos militares dos Estados Unidos que construíssem um porto temporário em Gaza. A conclusão deste trabalho não exigirá "qualquer envio terrestre de tropas americanas", garantiu.

Fakhri, que é mandatado pelo Conselho de Direitos Humanos, mas não fala em nome da organização, descreveu a proposta como "cínica", sublinhando que, ao mesmo tempo, os Estados Unidos fornecem bombas, munições e apoio financeiro a Israel.

Na sua opinião, o desejo de Washington de estabelecer um porto visa sobretudo responder, "à medida que se aproximam as eleições" nos Estados Unidos, às pressões internas de parte da população norte-americana.

"Isto destina-se a um público nacional. O que me dá esperança é a crescente mobilização em todo o mundo, mas especialmente nos Estados Unidos, de pessoas que exigem um cessar-fogo", acrescentou o especialista.

Fakhri acusou ainda Israel de utilizar o controlo que tem sobre a entrada de alimentos em Gaza para obter vantagens nas suas negociações com o Hamas e empurrar "intencionalmente" toda a população civil para a fome com esse fim.

"Deve ser dito claramente que Israel está intencionalmente a matar de fome o povo palestiniano em Gaza e que a fome já está a ocorrer ou está ao virar da esquina. Nunca na história moderna vimos uma população civil inteira entrar numa situação de fome total tão rapidamente", denunciou.

O relator afirmou que "Israel busca concessões do Hamas e oferece-se para permitir a entrada de 500 camiões com ajuda humanitária por dia (a mesma quantidade que entrava no enclave de antes da guerra), 200 mil tendas e 60 mil caravanas, a reabilitação de padarias e hospitais, mas isso é na verdade algo que Israel é obrigado a fazer ao abrigo do direito internacional".

O relator argumentou ainda que nenhum palestiniano na Faixa de Gaza come o suficiente e que pelo menos meio milhão já passa fome.

Entre estas vítimas estão 335 mil crianças em alto risco de desnutrição grave, enquanto 90% dos menores sofrem de alguma doença infecciosa e 70% de diarreia, disse Fakhri, que denunciou esta situação perante o Conselho de Direitos Humanos da ONU.

"Israel destruiu todo o sistema alimentar de Gaza, envenenou o solo e destruiu 80% do setor da pesca, incluindo pequenas embarcações e seus equipamentos. Não permite a pesca desde 07 de outubro sem explicar como simples pescadores artesanais poderiam ser uma ameaça para si", sublinhou.

A guerra entre Israel e o Hamas, que hoje entrou no 154.º dia e continua a ameaçar alastrar a toda a região do Médio Oriente, fez até agora na Faixa de Gaza 30.878 mortos, pelo menos 72.298 feridos e cerca de 7.000 desaparecidos presumivelmente soterrados nos escombros, na maioria civis, de acordo com o último balanço das autoridades locais.

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