Reino Unido. Vacina da Pfizer ligada a mais episódios de coágulos do que a da AstraZeneca

por Graça Andrade Ramos - RTP
Vacina anti-Covid-19 Reuters

A vaga de suspensões da vacina anglo-sueca da AstraZeneca, na Europa, surpreendeu os peritos britânicos e criou suspeitas de que, por trás das precauções anunciadas devido a alegados riscos de tromboembolismos, estarão motivações políticas.

No país foram mesmo registados até agora mais casos de formação de coágulos após a tomada da vacina contra a Covid-19 da Pfizer, conforme relatou a reguladora britânica dos medicamentos, a MHRA, embora em números tão baixos que não levantaram qualquer alarme. O Reino Unido usou mais de 11 milhões de doses da vacina anglo-sueca, ultrapassando em muito todos os outros países do mundo, e não detetou nada de anormal, referiu a MHRA.

Foram identificados 38 casos em 11.4 milhões de doses aplicadas da vacina da Pfizer, um número ligeiramente superior aos 30 casos em 9,7 milhões de doses administradas da AstraZeneca, equivalendo a 3.34 casos por milhão de pessoas na Pfizer, contra 3.09 na AstraZeneca.

Os casos possivelmente ligados à Pfizer não têm contudo provocado o mesmo alarme, estranham os britânicos, irritados com as suspeitas levantadas quanto à vacina desenvolvida pelo país.

O dr. Simon Clarke, da Universidade de Reading, sugeriu que as autoridades europeias talvez tenham "mais dados do que admitem", como por exemplo uma proporção mais elevada de pessoas jovens afetadas pelos coágulos.
"Amuo europeu"
Mas fontes de Whitehall, o centro administrativo do país, consideraram que a onda de suspensões da vacina na Europa não é mais do que uma tentativa cínica de desacreditar a AstraZeneca, após o Reino Unido ter recebido a parte de leão das vacinas produzidas pela empresa anglo-sueca, contra as promessas feitas a Bruxelas.

"Genuinamente não entendo o jogo deles", disse uma fonte de Whitehall, sob anonimato. "Não há dados que apoiem o que estão a fazer. Parecem incapazes de ultrapassar as suas disputas com a Astrazeneca".

Anthony Browne, deputado conservador, acusou os líderes europeus de estarem a ser guiados pela "política, não pela ciência". "O amuo europeu com o Brexit vai custar vidas europeias", referiu.

A vacina da AstraZeneca contra a Covid-19, a mais barata de produzir e a mais fácil de armazenar e com uma eficácia de cerca de 70 por cento em laboratório, já foi suspensa em cerca de 20 países em todo o mundo
Decisão "política"
O diretor da Agência de Itália para os Fármacos, a AIFA, Nicola Magrini, reconheceu esta terça-feira, em entrevista, que a decisão de suspensão foi "política" e se deveu em parte a um efeito de bola de neve. "Foi uma escolha política", referiu ao La Repubblica, depois de ter afirmado "com toda a certeza" que a vacina da AstraZeneca é "segura". "A relação risco-benefício é amplamente positiva", referiu Magrini.

"Chegamos à suspensão porque vários países europeus, entre os quais a França e a Alemanha, preferiram interromper a vacinação depois de casos isolados recentes de efeitos secundários adversos, sugeriram fazer uma pausa para verificações para depois recomeçar."

"Foi uma escolha política" afirmou.

Os Governos europeus preferem usar a palavra precaução, para justificar a suspensão da vacina.

Pelo menos 14 países do bloco, incluindo Portugal, decidiram esperar para ter a certeza quanto aos efeitos adversos da vacina da AstraZeneca e retiraram-na preventivamente dos seus programas de vacinação, apesar dos atrasos que estes têm sofrido.

No caso de Portugal, que decidiu ontem dispensar a vacina para já, o plano de vacinação atrasou-se em pelo menos 15 dias.
O primeiro-ministro António Costa já veio entretanto frisar que ele próprio tomou a vacina anglo-sueca e se mantém perefeitamente "tranquilo".
"Efeito muito raro"
Tanto a Organização Mundial de Saúde, OMS, como a Agência Europeia do Medicamento, EMA, têm garantido que não há prova de qualquer ligação entre os casos de coágulos e de tromboembolismos fatais verificados nalguns países, e a vacina anglo-sueca, desenvolvida na Universidade de Oxford.
A EMA sublinha mesmo que o número de casos reportados não é superior aos observados na população em geral.

"Estamos a analisar quantos episódios de tromboembolismo ocorreram em pessoas vacinadas e a recolha é tanto de dados estatísticos como da examinação dos casos individuais" em que houve formação de coágulos sanguíneos ou outros efeitos, disse Peter Arlett, um dos peritos da EMA.

"Estatisticamente, o número de casos aponta para um efeito muito raro e nem sabemos ainda se há uma relação de causa e efeito com a vacina da AstraZeneca", sublinhou. "Se houver uma relação causa efeito, e sublinho o se, temos oportunidade de avaliar como reduzir o risco", acrescentou. Há quem acredite na hipótese de os casos de tromboembolismos e de coágulos serem causados pela própria Covid-19 e não pelas vacinas.

Os peritos invocam ainda o número ínfimo de casos para manter a recomendação da vacina, já que os riscos de reações adversas são em muito ultrapassados pelas vantagens de se estar vacinado contra a Covid-19.

Dirk Brockmann, epidemiologista do Instituto Robert Koch para as Doenças Infeciosas referiu na televisão pública alemã que a possibilidade de morte devido à doença é 100.000 vezes superior à da vacina.

Crescem apesar disso os receios de sentimentos mais extremos contra a vacina, mesmo que os estudos da OMS, da UE, do Reino Unido e da própria AstraZeneca provem a inexistência de qualquer relação entre a vacina e o aparecimento de coágulos.
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