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Guerra no Médio Oriente. A escalada do conflito ao minuto

Reino Unido entrega arquipélago de Chagos às Maurícias sem esquecer os EUA

por Carla Quirino - RTP
Tanques de combustível à beira de uma pista de uso militar em Diego Garcia, a maior ilha do arquipélago de Chagos e local de uma importante base militar dos Estados Unidos no meio do Oceano Índico, arrendada da Grã-Bretanha em 1966. Reuters

Após uma disputa que durou mais de 50 anos, o Reino Unido chegou esta semana a um acordo para devolver as Ilhas Chagos, um arquipélago localizado no Oceano Índico, à República das Maurícias. Neste tratado ficou também especificado o conjunto de garantias para que uma base militar dos Estados Unidos continue a operar num dos atóis - o Diego Garcia - nos próximos 99 anos.

A história recente do arquipélago de Chagos assenta em vários séculos de disputas entre os impérios coloniais. Nesta quinta-feira, foi acordado que o território voltará a passar de mãos. Das britânicas para mauricianas.

As Maurícias, que também viveram sob a soberania da Grã-Bretanha - de 1815 a 1968 - passam agora a controlar Chagos, adiantam os dois países que estabeleceram os parâmetros da transferência.
Ilhas Chagos de mão em mão

De assinalar que França foi o primeiro império a colonizar as Maurícias, juntamente com as Ilhas Chagos, a partir de 1715.

Após a queda de Napoleão Bonaparte, em 1814, o domínio francês foi assumido pelo Reino Unido, isto porque a cedência de territórios ultramarinos de França passaram para as nações vencedoras.

Já no século XX, quando as Maurícias conquistaram a autonomia em 1968, o Reino Unido condicionou a liberdade da nação à renúncia de Chagos. Nessa altura, o Governo de Londres separou as ilhas para criar o Território Britânico do Oceano Índico (BIOT).

Entre 1965 e 1973, o Reino Unido exilou todos os naturais de Chagos que viviam nas ilhas desde o século XVIII para as Maurícias, Seychelles e para a Grã-Bretanha. Muitos acabaram por receber a cidadania britânica em 2002.

Diego Garcia é o maior atol do arquipélago de Chagos | Wikipédia/Domínio público
Base militar norte-americana Diego Garcia
Em plena Guerra Fria, o Reino Unido arrendou o Diego Garcia, um dos atóis tropicais, aos EUA. A negociação deu-se em 1966 e previa uma duração de 50 anos, estabelecendo-se uma base para os seus navios de guerra e bombardeiros de longo alcance.

Em troca, Washington forneceu um desconto de 14 milhões de dólares aquando a venda do sistemas de mísseis Polaris ao Reino Unido. O sistema de armamento permitia o lançamento de mísseis balísticos de submarinos com armas nucleares.

Logo a seguir ao acordo, em 1971, a Marinha dos EUA construiu uma base militar no atol.

Diego Garcia está localizada a norte das Maurícias e estrategicamente posicionada relativamente aos países no Sudeste da África, bem como do Médio Oriente, Índia e China.

A base Diego Garcia ainda está a operar. Segundo a Al Jazeera, este foi um local-chave nas operações de “guerra ao terror” no exterior dos EUA após os ataques da al-Qaeda a 11 de setembro de 2001. De lá, as forças norte-americanas enviaram aeronaves para o Irão e o Afeganistão.

À base militar estão alocados cerca de 2.500 elementos provenientes dos EUA, Maurícias e outros países aliados.
O acordo de transferência de soberania
O arquipélago está vazio, sem habitantes, à excepção da base de Diego Garcia, que permanece habitada desde a década de 1970.

Com o acordo firmado esta semana, o Reino Unido garantiu que a estrutura militar norte-americana pode continuar a operar na ilha durante os próximos 99 anos, sendo este tópico um ponto-chave das conversações.

Os dois Governos acertaram colaborações em áreas como proteção ambiental, segurança marítima e prevenção ao crime e ainda haverá um pacote de suporte financeiro à economia do país.

Há também a promessa britânica de criar um fundo fiduciário para apoiar os descendentes dos 1.500 chagossianos que foram despejados à força das ilhas entre as décadas de 1960 e 1970.

Port Louis e Londres sublinharam que “o tratado abrirá um novo capítulo na história conjunta” e “anuncia uma nova era de parceria económica, de segurança e ambiental entre as duas nações”.

"Este é um momento seminal no nosso relacionamento e uma demonstração de nosso compromisso duradouro com a resolução pacífica de disputas e o Estado de Direito", diz a declaração do primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, e do primeiro-ministro das Ilhas Maurícias, Pravind Jugnauth.

O presidente dos EUA, Joe Biden, já reagiu em comunicado da Casa Branca, aplaudindo o “acordo histórico”. E realçou: “É uma demonstração clara de que, por meio da diplomacia e da parceria, os países podem superar desafios históricos de longa data para alcançar resultados pacíficos e mutuamente benéficos”.

O acordo ainda está sujeito à finalização de um tratado, mas ambos os lados prometeram concluí-lo o mais rápido possível.
Os olhos voltam-se para as Malvinas

O significado histórico deste momento relança o debate da reivindicação das Malvinas, na América do Sul, pela Argentina.

Perante o caso de Chagos, a Argentina reiterou a promessa de conseguir a soberania total das Malvinas. A ministra das Relações Exteriores da Argentina, Diana Mondino, já garantiu que vai encetar "ações concretas" para que as ilhas sejam entregues por Londres a Buenos Aires. "As Malvinas foram, são e serão sempre argentinas" afirmou.

Porém, numa tentativa de descansar a população, a governadora das Malvinas, Alison Blake, deixou claro que o contexto legal e histórico dos dois territórios são "muito diferentes". Acrescentou que as ilhas estão seguras nas mãos britânicas.

Citada no Guardian, Blake assegurou que "o compromisso inabalável do Reino Unido em defender a soberania britânica das Malvinas permanece inalterado".

As Ilhas Malvinas ou Falkland são um território ultramarino britânico no sudoeste do Oceano Atlântico. A Argentina invadiu o país em 1982 para tentar recuperar a sua soberania, argumentando que tinha herdado as Ilhas Malvinas de Espanha no século XIX.

Seguiu-se uma intensa guerra que durou 74 dias. Morreram pelo menos 655 argentinos, 255 britânicos e três malvinos. As forças britânicas recuperaram o controlo a 14 de junho de 1982.

Atualmente, os territórios ultramarinos britânicos são: Anguilla, Bermudas, Território Antártico Britânico, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Ilhas Falkland/Malvinas, Gibraltar, Montserrat, Pitcairn, Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha, Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, Ilhas Turks e Caicos. Há ainda duas áreas de base soberana no Chipre sob jurisdição britânica.
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