Referendos sobre anexação russa já decorrem em quatro regiões da Ucrânia

por Andreia Martins - RTP
Um militar vigia uma mesa de voto na autoproclamada República Popular de Donetsk. Alexander Ermochenko - Reuters

Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia. São estas as regiões que começam a votar esta sexta-feira em referendos para justificar a integração dos territórios na Federação Russa. As consultas populares estão a ser amplamente condenadas pela comunidade internacional e são vistas como um pretexto para anexação russa e subsequente escalada na guerra em curso na Ucrânia.

Juntas, as regiões onde decorre o voto representam cerca de 15 por cento do território ucraniano. Os referendos ocorrem em Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia entre hoje e a próxima terça-feira e acontecem depois de as forças ucranianas terem recuperado grandes faixas de território no leste e no sul do país.

Os referendos em curso eram há muito planeados pelas autoridades russas nestes territórios, mas a contraofensiva vitoriosa das forças ucranianas ao longo das últimas semanas acabou por apressar a agenda de Moscovo.

“A votação começou em Zaporizhia, a região vai tornar-se parte da Federação Russa! (…) Estamos a regressar a casa!”, disse Vladimir Rogov, um funcionário pró-russo naquela região.

A Ucrânia acusa a Rússia de procurar enquadrar os resultados do referendo como um sinal de apoio popular naquelas regiões e usá-los como pretexto para a anexação, à imagem do que aconteceu na Crimeia em 2014.

Esta semana, em declarações à televisão russa, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, frisou que cabe às populações de cada território decidir se apoiam a realização de referendos para uma futura adesão à Federação Russa.

"Desde o princípio que temos dito que são as pessoas dos respetivos territórios que devem decidir sobre o seu destino", afirmou.

Ao incorporar as quatro regiões em território russo, Moscovo poderá justificar uma escalada militar no conflito, ao argumentar que está a defender a sua soberania territorial em caso de ataque ucraniano com o apoio do Ocidente.

No discurso à nação na última quarta-feira, o presidente russo garantiu que a Rússia irá “usar todos os meios ao seu alcance” para se proteger, para além de ter anunciado a mobilização de 300 mil reservistas russos para apoiar o esforço de guerra.

Na quinta-feira, o antigo presidente russo, Dmitry Medvedev, alertou que todas as armas do arsenal de Moscovo, incluindo armas nucleares, poderão ser usadas para defender territórios anexados pela Rússia na Ucrânia.

“Não só as capacidades de mobilização, mas também quaisquer armas russas, incluindo armas nucleares estratégicas e armas baseadas em novos princípios, podem ser usadas para essa defesa”, declarou Medvedev, atual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia.
Voto obrigatório

De recordar que a Rússia já considera as regiões de Lugansk e Donetsk – que juntas formam a região de Donbass – como territórios independentes da Ucrânia. Esse mesmo estatuto das “Repúblicas Populares” de Lugansk e Donetsk foi reconhecido por Vladimir Putin dias antes do início da invasão russa, a 24 de fevereiro.

A região do Donbass é disputada e está parcialmente ocupada pelas tropas russas desde o eclodir do conflito em 2014, mas Moscovo não controla totalmente nenhuma das regiões onde os referendos vão decorrer. Por exemplo, em Donetsk, 60 por cento está em mãos russas e o restante território é controlado pelas forças ucranianas.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse esta semana que o voto apressado nestas regiões só sinaliza os receios russos. “Qualquer decisão que a liderança russa possa tomar não muda nada para a Ucrânia”, afirmou.

Sergey Haidai, governador ucraniano da região de Lugansk, indicou que o chefe de uma empresa na cidade de Bilovodsk, controlada pelas tropas russas, alertou os seus funcionários de que a votação no referendo será obrigatória. Todos os que se recusarem a votar serão demitidos e os seus nomes serão entregues aos serviços de segurança.

Em Starobilsk, as autoridades russas estão a proibir a população de sair da cidade até terça-feira. Há grupos armados a revistar casas e a coagir os locais para votarem no referendo, denuncia o governador ucraniano, citado pela agência Reuters.

Tal como o referendo de 2014 na Crimeia, estas consultas populares estão a ser amplamente criticadas pela comunidade internacional e carecem de reconhecimento formal.

O voto ocorre perante um coro de críticas por parte da NATO, do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e dos principais líderes do Ocidente, como o presidente norte-americano Joe Biden ou o chefe de Estado francês, Emmanuel Macron.

Por sua vez, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) - organismo que se destaca pelo seu papel na observação eleitoral - já indicou que os resultados destes referendos não terão qualquer força legal, uma vez que decorrem à margem da lei ucraniana e dos padrões internacionais.

Para além disso, grande parte da população destas regiões fugiu devido à guerra e o voto está a decorrer em áreas não seguras, pelo que não haverá observadores independentes nestes referendos.
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