Tudo pode acontecer nos Países Baixos esta quarta-feira. O país elege os 150 membros da sua Casa dos Representantes e a escolha final dos holandeses está escancarada, incluindo a possibilidade de, pela primeira-vez na sua história, elegerem uma primeira-ministra, Dilan Yesilgöz. Qualquer um entre quatro partidos pode obter maioria e o controlo da imigração poderá revelar-se um dos fiéis da balança.
Até há poucas horas, as sondagens mais recentes indicavam um empate, em torno dos 18 por cento dos votos, entre o VVD, o Partido do Povo para a Liberdade e a Democracia, liberal-conservador, e o Novo Contrato Social, NSC, um partido recente fundado pelo centrista Pieter Omtzigt.
Com 15 a 16 por cento das intenções de voto, seguia-se a aliança ecológica de esquerda de Frans Timmermans, o socialista ex-vice-presidente executivo da Comissão Europeia para o Acordo Verde Europeu e comissário europeu para a Ação Climática entre 2019 e 2023, que transportou para a campanha a mesma agenda de redução de emissões de gases de estufa, acrescentando-lhe preocupações sociais, como o aumento do salário mínimo.
Em quarto surgia Geert Wilders, um veterano da luta anti-islâmica e antieuropeísta, que tem vindo a moderar o seu discurso na esperança de aceder a um futuro executivo.
Ao fim da tarde de terça-feira um súbito impulso no apoio precisamente a Wilders e ao seu Partido pela Liberdade, PVV, lançou contudo o caos nas antevisões. Uma sondagem colocou-o mesmo a lutar pelo primeiro lugar com o VVD.
Negociações e impasse
Sem um único partido a chegar sequer perto da fasquia dos 20 por cento, anunciam-se negociações complicadas para formar alianças e instalar um novo governo em Haia. As cedências de parte a parte, quanto às soluções para os principais problemas sentidos pelos cidadãos dos Países Baixos, serão cruciais. Três questões têm dominado a campanha para as legislativas: o controlo da imigração, a perda de qualidade de vida dos holandeses e as alterações climáticas.
Com o desemprego abaixo dos quatro por cento, o debate da campanha girou em torno da escassez de habitação, das falhas do sistema de saúde e do crescente ressentimento pelo fosso cada vez mais profundo entre ricos e pobres numa sociedade tradicionalmente igualitária.
Virtualmente todos os candidatos prometem lidar com a escassez de habitação e subir do salário mínimo.
A imigração é um problema para os Países Baixos desde há 20 anos e a discussão quanto à necessidade de restringir o número de requerentes de asilo e os trabalhadores migrantes está também ao rubro.
Outros eleitores demonstram maior preocupação com o ambiente e defendem uma aceleração dos investimentos em infraestruturas verdes e o fim de subsídios que beneficiam empresas de combustíveis fósseis.
Para vários analistas, uma coligação mais centrista deverá continuar o programa de energias renováveis em curso, especificamente as quintas de vento do Mar do Norte, proibir furos de gás natural, prosseguir planos para diminuir o número de cabeças de gado e aumentar a despesa pública, incluindo o aumento do salário mínimo.
Uma coligação mais à direita poderia aprovar a construção de novas centrais nucleares e novas estratégias para restringir a imigração, ajustando ainda os planos de redução de gado e do uso de fertilizantes, que têm provocado a ira dos agricultores.
Bruxelas deverá estar ainda especialmente atenta a esta eleição. Sob Rutte, os Países Baixos têm sido um firme apoiante das políticas europeias e um membro proeminente da União Europeia. Têm ainda sido exigentes em contas públicas certas e críticos dos Estados membros mais gastadores.
A questão é se tais políticas continuarão a ser seguidas por um novo governo saído das eleições legislativas de dia 22 de novembro.
Votar é só o começo
Esta quarta-feira, as urnas deverão abrir pelas 7h30 da manhã e encerrar às 19h00 (20h00 GMT), hora a que a televisão nacional, NOS, irá anunciar os resultados à boca das urnas. As reações dos líderes deverão surgir horas depois, apesar dos resultados finais só serem conhecidos dia 23.
O Parlamento cessante deverá reunir-se a cinco de dezembro para terminar a legislatura e a primeira sessão da Câmara saída do escrutínio irá decorrer no dia seguinte.
As negociações para formar o novo executivo, tradicionalmente lideradas pelo partido mais votado, deverão por seu lado iniciar-se logo após as primeiras confirmações dos resultados, mas o processo de formação de um novo executivo poderá durar meses.
Uma das questões em apreço será a formação de maiorias que possam combinar votos no Senado, o órgão que veta a legislação e que não será afetado pelas eleições legislativas deste dia 22 de novembro. A possibilidade de um governo minoritário poderá igualmente ser abordada.
Rutte e o seu atual governo provisório deverão manter-se em funções até que um novo executivo tome posse, provavelmente no início de 2024.
Candidata a primeira-ministra
Nesta corrida, o favoritismo constante do VVD tem sido um dos fatores mais surpreendentes. O partido governou os Países Baixos nos últimos 13 anos, fazendo do seu líder, Mark Rutte, eleito pela primeira vez em 2010, o primeiro-ministro que mais tempo ocupou o cargo.
E se, como refletiu ao Politico a sua nova líder, Dilan Yesilgöz, muita coisa correu bem nos últimos 13 anos, incluindo um impacto relativo da crise económica e da pandemia de Covid-19, também "não posso dizer que as coisas estejam a correr bem para todas as pessoas".
"Muitas dormem mal, preocupadas com as suas contas, mesmo com empregos e salários normais", reconheceu.
Obcecada com o trabalho, como ela própria admite, Dilan Yesilgöz divide aos 46 anos os dias entre períodos de sono, de trabalho e de exercício, focando-se em alimentar-se de forma correta. Difere por outro lado da discrição de Rutte, intervindo nas redes sociais e fugindo ao chavão de ser mulher na política. Apresenta-se sempre bem-humorada e cheia de energia.
Nem tudo lhe agrada no poder. A nova líder do VVD é ministra da Justiça do atual governo de transição e, ao contrário de Rutte, que usava bicicleta para ir para o seu gabinete, desloca-se sempre em veículo oficial rodeada por escolta, devido à crescente tensão social no país.
"Faz parte integrante da minha vida e é muito duro. Mas escolho prosseguir, não desistir, porque recuso ser intimidada", afirmou recentemente.
Apesar do favoritismo nas sondagens, o seu objetivo, de suceder a Rutte também à frente do governo de Haia, será quase impossível de alcançar. Raramente uma nova liderança consegue manter uma maioria anterior, especialmente se esta foi longa.
Dilan Yeşilgöz preferiu por isso seguir um rumo de renovação, em vez da simples defesa das políticas do seu antecessor. A sua plataforma assenta no controlo da imigração, um tema que tem estado a rondar o debate público e que com ela assumiu o centro.
O fato de Yesilgöz ser ela própria uma ex-refugiada, de origem turca, dá-lhe alguma vantagem argumentativa. Como a própria explicou ao Politico, "existe um influxo de demasiadas pessoas, não apenas em busca de asilo e estudantes internacionais, o que significa que não temos capacidade para auxiliar verdadeiros refugiados".
O paladino relutante
O centrista Pieter Omtzigt, de 49 anos, é o seu mais direto rival e destaca-se pela originalidade de não querer ser primeiro-ministro apesar do favoritismo. Está mesmo disposto a ceder a posição a um candidato, ou candidata, menos votado.
Omtzigt fundou o seu Novo Contrato Social, NSC, há apenas três meses mas viu-se catapultado nas últimas semanas para a liderança nas sondagens. Tem apesar disso sido vago quanto ao que pretende fazer se ganhar. Uma das razões é o facto de viver em Enschede, uma cidade 200 quilómetros a leste de Haia, com uma família numerosa. Outra será o esgotamento que sofreu há uns anos.
A popularidade de Omtizgt pode dever-se a esta visão de homem comum e ao facto de ter sido essencial na deteção de um escândalo de abuso de subsídios para crianças, que provocou no final de 2020 a queda do terceiro governo de Rutte e que incluiu o seu anterior partido, Apelo Democrata-Cristão, do qual foi deputado durante 18 anos.
A sua independência foi considerada uma traição por muitos dos seus anteriores companheiros políticos. Depois do episódio, numa longa lista, Omtzigt divulgou os epítetos usados por estes para o descreverem. Iam desde "idiota" a "psicopata" e "doente".
Visto por muitos como um paladino idealista que desafia a ordem prevalecente e que não se deixa silenciar sob pressão, Omtzigt prefere manter os pés no chão.
"Não sou um messias mas penso que posso propor políticas realistas", tem afirmado este economista formado no Reino Unido e em Itália, antes de se virar para a política, confessando-se também admirado com o sucesso do seu pequeno partido e com a possibilidade de se tornar chefe do governo holandês.
A sua relutância em assumir o cargo liga-se à necessidade de preservar a sua energia, que o levou a evitar alguns debates durante a campanha, em favor de atividades de ginásio ou da arbitragem num clube de futebol de Enschede.
Sarah de Lange, professora de política na Universidade de Amsterdão, considera que a relutância de Omtzigt em assumir o poder é bem vista por um eleitorado cansado de anos sob Rutte, durante o qual se desenvolveu uma prática política pouco transparente e que quer um novo rumo.
A confiança dos holandeses no governo de Haia está em mínimos de 10 anos e Omtzigt emergiu como um antiRutte, visto pelos eleitores como de confiança e tenaz.
O centrista defende uma mistura de ideias progressistas e conservadoras.
Economicamente quer agravar os impostos sobre as fortunas, reforçar os direitos dos trabalhadores e aumentar o salário mínimo. É contudo apoiante de políticas de direita quanto à imigração e em questões éticas, como o aborto e os direitos de transgéneros.
A sua principal promessa é a reforma do Estado através de um tribunal constitucional que vigie os políticos, e uma reforma eleitoral que introduza círculos uninominais nos quais os votantes elegem o seu representante diretamente em vez de listas nacionais. Quanto à Europa e depois de ter desempenhado cargos na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, Omtzigt afirma-se a favor de uma cooperação europeia mas contra um aprofundamento da união.