Quem são os Ismailis? Conheça as origens de uma comunidade com várias ligações a Portugal

por Andreia Martins - RTP
Fotografia do Centro Ismaili de Lisboa no dia do ataque em que morreram duas mulheres, a 28 de março de 2023. Foto: Hugo Melo - RTP

O Centro Ismaili de Lisboa foi na terça-feira alvo de um ataque, quando um homem de nacionalidade afegã matou duas mulheres ao final da manhã, após ter entrado no local de culto com uma arma branca.

A comunidade Ismaili, do ramo xiita do Islão, tem estado presente nas últimas décadas em Portugal, tendo alcançado um novo protagonismo quando, em 2015, o Imamat Ismaili assinou um acordo com a República Portuguesa para o estabelecimento da sua sede mundial em Lisboa.

Três anos mais tarde, a 11 de julho de 2018, Aga Khan designou oficialmente o Palácio Henrique de Mendonça, na Rua Marquês de Fronteira, em Lisboa, como a sede mundial desta comunidade. Mas quem são os Ismailis e qual a sua presença em Portugal?
Origem histórica
Os Ismailis são uma comunidade muçulmana do ramo xiita. São por isso uma minoria dentro da minoria.
Estima-se que cerca de 85 a 90 por cento dos muçulmanos do mundo sejam sunitas, os restantes são xiitas.

A divisão remonta ao ano de 632 e à morte de Maomé: os sunitas consideram que o sucessor do Profeta deveria ser eleito pelos próprios muçulmanos, já que Maomé não tinha designado nenhum sucessor. Por sua vez, os xiitas defendem que o descendente legítimo de Maomé deveria ser Ali Bin Abi Talib, primo e genro de Maomé.
Para os xiitas, o Imamat é uma doutrina que afirma que certos indivíduos da linhagem de Maomé devem ser aceites como Imam, líderes e guias da comunidade muçulmana depois da morte de Maomé.
Com o tempo, os xiitas vão subdividir-se em vários grupos: os ismaelitas surgem pela sua lealdade a Ismail, filho mais velho do Imam Jafar al-Sadiq, Este ramo do xiismo defende que a linha de sucessão deveria ter prosseguido com Ismail e não com o seu irmão, Musa Ibn Ja’far Al-Kazim.

O sexto Imam xiita, Imam Jafar al-Sadiq, teve dois filhos: Ismail e Musa. No ramo ismaelita, Jafar al-Sadiq nomeou Ismail como sucessor.

Enquanto vários xiitas acreditam que Ismail morreu três anos antes do pai, em 762, os Ismaelitas acreditam que este se escondeu por vários anos por ordem do próprio pai, uma vez que a sua segurança estava em causa.

Assim, os Ismaelitas acreditam que a linha de sucessão deveria continuar através do filho de Ismail, Muhammad ibn Ismail. Nos primeiros anos após Ismail, este ramo do xiismo vai destacar-se pela liderança no Califado Fatimida, entre o século X e XI. Ainda hoje, o líder dos ismaelitas mantém o título de “príncipe” devido à dinastia dos fatimidas.

Nos séculos seguintes, os Ismailis passaram por vários territórios do Norte de África e Médio Oriente, sobretudo na Pérsia e no que viria a ser a Índia e o Paquistão.
A linhagem Aga Khan e a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento
No século XIX, mais precisamente em 1818, o título honorífico de “Aga Khan” é atribuído a Hasan Ali Shah, 46º Imam dos Ismailis, por indicação do Xá da Pérsia

O filho, Aqa Ali Shah, tornou-se Aga Khan II após a sua morte, em 1881, seguindo-se quatro anos depois Sultan Mahomed Shah, designado como Aga Khan III em 1885, aquando da morte do pai, quando tinha apenas com sete anos.

Aga Khan III, pai do atual Aga Khan, destacou-se pelo papel na proteção dos muçulmanos na Índia, até então uma colónia britânica, mas também na diplomacia mundial, tendo representado a Índia junto da Sociedade das Nações e chegando a presidir a essa mesma organização durante dois anos.

Com a morte de Sultan Mahomed Shah, o filho, Karim al-Hasyn Shah, assumiu funções como Aga Khan IV com apenas 20 anos, num mandato iniciado em 1957 e que perdura até hoje.

Seguindo a tradição muçulmana, o Imam “serve como guia não apenas na interpretação da fé, mas também no esforço de melhorar a segurança e a qualidade de vida da sua comunidade e, de um modo mais abrangente, das sociedades em que se insere”, lê-se na página do Imamat Ismaili.

Os Ismailis estão “unidos pela sua crença num Imam do Tempo hereditário, vivo, descendente do Profeta Maomé”, sendo atualmente os “únicos muçulmanos xiitas liderados por um Imam hereditário”.

“Em consonância com a ética do Islão, os Ismailis são ativos na sociedade civil de todos os países onde residem, trabalhando em várias áreas e contribuindo com o seu tempo, conhecimento e recursos materiais” para melhorar as comunidades e sociedades em que se inserem, acrescenta. 

Os Ismailis acreditam então que o seu Imam descende do Profeta Maomé. Aga Khan é o líder espiritual deste reino sem território, uma entidade supra-nacional e sem uma vertente política.


Atualmente, os Imams não tem controlo sobre quaisquer territórios, mas exercem a sua ação e influência através de diferentes organizações, nomeadamente a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN), uma organização que se diz orientar pelos princípios do Islão, mas que não “restringe o seu trabalho a uma comunidade, país, ou região em particular”.

“O foco da AKDN está nas zonas mais pobres do mundo em desenvolvimento, mas também tem programas na América do Norte e na Europa”, com o objetivo de “melhorar as condições de vida e as oportunidades para as pessoas, independentemente da religião, raça, etnia ou género”, lê-se no site da organização.
Comunidade Ismaili em Portugal e a sede do Imamat em Lisboa
Atualmente, existem cerca de 15 milhões de Ismailis em vários países da Ásia, Médio Oriente, África, Europa e América do Norte. Portugal conta com uma das maiores comunidades Ismailis em território europeu, com cerca de oito a dez mil pessoas. 
Patrícia Machado, Luís Moreira - RTP

As raízes históricas da comunidade Ismaili em Portugal remontam ao período colonial, nomeadamente no subcontinente indiano e em Moçambique. Após o 25 de Abril de 1974 e o subsequente processo de descolonização, vários elementos da comunidade Ismaili estabeleceram-se em Portugal, vindos sobretudo de Moçambique.

A partir desta década, os Ismailis criaram espaços de convívio cultural e social nos vários países onde se encontravam. Em Portugal, os Ismailis adquiriram o local onde se encontra atualmente o Centro Ismaili de Lisboa em 1986. Mais de uma década depois, a 11 de julho de 1998, o presidente Jorge Sampaio inaugurava o Centro Ismaili de Lisboa, na estrutura arquitetónica que hoje mantém e que assinala os seus 25 anos em 2023.

Dois anos antes, no lançamento da primeira pedra do edifício, o então chefe de Estado antecipava o centro Ismaili como “um elemento importante no diálogo permanente entre culturas, um local de encontro entre civilizações, de discussão de ideias e de debate sereno e mutuamente enriquecedor sobre os grandes problemas que são de legítima e igual preocupação de todos”.

Mas a relação entre Portugal e a comunidade Ismaili alcançaria uma nova dimensão a 3 de junho de 2015, quando o Governo português e o Aga Khan assinam o acordo para o estabelecimento da Sede mundial do Imamat Ismaili em Portugal.

Três anos mais tarde, a 11 de julho de 2018, a encerrar a celebração do Jubileu de Diamante de Aga Khan, o líder espiritual dos Ismaelitas designou oficialmente o palácio Henrique de Mendonça, na Rua Marquês da Fronteira, em Lisboa, como a sede do Imamat Isamili.

O edifício onde funcionava a Nova School of Business fazia parte da Universidade Nova de Lisboa e foi comprado pelo Imamat Ismaili em 2016 por 12 milhões de euros.

“O povo português tem um profundo e histórico respeito pela fé e esta comprometido com os valores da diversidade humana e do pluralismo”, destaca o Imamat Ismaili, reconhecendo ainda que a criação de uma sede “pela primeira vez na história moderna (…) fortalece a capacidade institucional do Imamat”.

A sede e a presença desta entidade “estabelece um centro global em Lisboa para todas as dimensões das suas atividades, incluindo as relacionadas com os assuntos da comunidade Ismaili, o envolvimento internacional e o compromisso do Imamat na melhoria da qualidade de vida”, acrescenta.
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