Provas forjadas. Japonês absolvido ao fim de 55 anos no corredor da morte

por Carla Quirino - RTP
Kyodo via Reuters

Em 1968, foi considerado culpado pelo homicídio de quatro pessoas. Permaneceu no corredor da morte mais de meio século. Uma recente investigação concluiu que os inspetores forjaram provas. O octogenário Iwao Hakamada, o condenado há mais anos à espera da execução, sai agora em liberdade.

Na década de 1960, Iwao Hakamada foi acusado e condenado à pena de morte pelo crime de homicídio. Teria assassinado o chefe, a mulher deste e os dois filhos do casal, ainda adolescentes.

O caso de Hakamada é uma das histórias jurídicas mais longas e conhecidas do Japão. Tem atraído um amplo interesse público e esta quinta-feira cerca de 500 pessoas fizeram fila para presenciar a audiência, no tribunal em Shizuoka.

Os que não entraram ficaram no exterior à espera do resultado deste novo julgamento.
Absolvição
Hakamada não compareceu a esta sessão, assim como já tinha sido dispensado de todas as audiências devido ao deteriorado estado de saúde. Desde 2014, quando foi libertado da prisão e teve direito a um novo julgamento, vive sob os cuidados da irmã Hideko, de 91 anos.

À agência France Presse, Iwao já tinha afirmado que a batalha por justiça era como "uma conquista diária”. "Quando se pensa que não se pode vencer, não há caminho para a vitória", declarou.

Mas o novo veredito chegou esta quinta-feira. Foi absolvido. E quem defendia a inocência de Hakamada aplaudiu. Fora do tribunal ouviu-se banzai, uma expressão japonesa de celebração.
Roupas com sangue usadas para incriminar Iwao
O caso de Hakamada, antigo pugilista profissional, remonta a 1966. Hakamada estava a trabalhar numa fábrica de processamento de miso - uma pasta de soja e arroz fermentado, muito utilizada na culinária japonesa - quando se soube que os corpos do seu patrão, da esposa e dos dois filhos do casal haviam sido recuperados de um incêndio em casa, em Shizuoka, a oeste de Tóquio. 

Todos os quatro tinham sido esfaqueados até a morte. As autoridades acusaram-no de imediato do crime de homicídio da família, de incendiar a residência e ainda roubar 200 mil ienes em dinheiro.Inicialmente, Hakamada negou qualquer envolvimento, mas acabou por se dar como culpado, descrevendo mais tarde que a confissão tinha sido forçada após espancamentos e interrogatórios que podiam durar 12 horas por dia.

Em 1968, Iwao Hakamada foi condenado por assassinato e incêndio criminoso e sentenciado com a pena máxima: a morte.

As provas usadas para incriminar Hakamada foram algumas roupas ensanguentadas encontradas num tanque de miso.

Porém, ao longo de anos, os advogados de defesa argumentaram que o ADN recuperado das roupas não correspondia ao de Hakamada, levantando a possibilidade de essas peças de vestuário pertencerem a outra pessoa.

A defesa sugeriu ainda que a polícia teria fabricado as provas. O conjunto de argumentos acabou por persuadir o juiz Hiroaki Murayama, que em 2014 observou que “as roupas não eram do réu”.

"É injusto deter o réu por mais tempo, pois a possibilidade da sua inocência tornou-se clara num grau respeitável", afirmou Murayama, à época. Hakamada foi então libertado da prisão e teve direito a um novo julgamento.Nova conclusão 55 anos depois
Os procedimentos legais do processo colocaram a nova série de audiências a começar apenas no ano passado e o veredicto foi agora ditado.

Para além do argumento do ADN ter sido tomado em conta, o juiz considerou crível outro pressuposto dos advogados de defesa: “As manchas vermelhas encontradas nas roupas não poderiam ser sangue, já que o sangue não permaneceria vermelho em roupas imersas em miso, durante um ano”.

Desta forma, na decisão desta quinta-feira conclui-se que "os investigadores adulteraram roupas, sujando-as de sangue", que depois esconderam-nas tanque do preparado culinário.

Os julgamentos para condenados à morte são raros no Japão - o de Hakamada é apenas o quinto na história do país, no pós-guerra.

O confinamento solitário com a ameaça constante de execução afetou a saúde mental de Hakamada, que esperou 55 anos para ver provada a inocência.
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