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Proposta de testes de vacinas em África classificada de "mentalidade colonial"

por RTP
Denis Balibouse - Reuters

É a mais recente condenação às palavras de dois médicos franceses a sugerir que os testes de vacinas fossem conduzidos em África. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, classificou as declarações de "racistas". Espelham uma "mentalidade colonial", resumiu.

“Para ser honesto, estou tão chocado”, confessou o responsável quando questionado na conferência de imprensa de ontem em Genebra. “Quando digo que precisamos de solidariedade, este tipo de comentários racistas não ajudam, vão contra a solidariedade”, disse Tedros Ghebreyesus.

“África não pode nem será terreno de experimentação para qualquer vacina”, reforçou. “A herança de uma mentalidade colonial tem de ter um fim”.

Sem referir diretamete os dois franceses, o diretor-geral da OMS referia-se ao caso que tem suscitado uma dura polémica em França e em África.

Trata-se de dois comentários feitos no canal francês de televisão LCI, na semana passada, pelo médico Jean-Paul Mira, chefe da unidade de cuidados intensivos do hospital Cochin, em Paris e Camille Locht, o diretor de investigação do Inserm, Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica de França
.

Os dois médicos discutiam no canal francês, na passada quarta-feira, se a vacina da tuberculose BCG poderia ser um tratamento potencial para a Covid-19. A vacina está em fase de testes clínicos para o uso para esse efeito, nos Países Baixos e Austrália.

Jean-Paul Mira sugeriu que África poderia ser o sítio ideal para conduzir aquele ensaio clínico. “Se posso ser provocador”, começou por dizer Mira, acrescentando: “Não deveríamos fazer este estudo em África, onde não há máscaras, tratamentos, nem cuidados intensivos?”. “Um pouco como os estudos da SIDA com prostitutas, tentamos coisas porque sabemos que estão altamente expostas ao risco e não se protegem”, acrescentou, mais à frente na conversa. “O que acham desta ideia”, questionou.

“Tem razão”, respondeu Loch. “Estamos a pensar um estudo em África, em paralelo para aplicar o mesmo tipo de abordagem com a BCG, um placebo…nada nos impede que conduzir uma reflexão paralela à dos Países Baixos e Austrália”.

“É vergonhoso ouvir os cientistas ter este tipo de propostas no século XXI. Condenamos estas declarações de forma veemente”, considerou o responsável da OMS.
“África não é um laboratório de testes”
A reação do diretor-geral da OMS é a mais recente de uma série de tomadas de posição críticas aos dois médicos. A polémica foi de tal modo forte, que o Ministério francês dos Negócios Estrangeiros veio dizer que esta “não reflete a posição das autoridades francesas”.

O futebolista Didier Drogba foi dos mais críticos. “África não é um laboratório de testes”, afirmou nas redes sociais, falando de comentários “falsos” e “racistas”.



“Não, os Africanos não são cobaias”, indignou-se a associação SOS Racismo em comunicado. O grupo Esprit D’Ebene, que trabalha com jovens africanos marginalizados em França, levou as críticas no mesmo sentido, dizendo que os africanos não são “ratos de laboratório em que pode testar produtos farmacêuticos sem qualquer garantia da sua segurança”.

M'jid El Guerrab, um deputado do Partido do presidente Macron, o República em Marcha, anunciou no sábado que iria interpelar o procurador do Ministério Público em Paris a propósito das declarações que “discriminam em função da origem”. M'jid El Guerrab e outros trinta deputados enviaram ainda uma carta aberta aos dois médicos.

O Partido Socialista Francês também veio condenar estas declarações. Em comunicado, diz que “com todo o respeito por estes investigadores de renome, África não é um laboratório para cobaias”.
Médicos pedem desculpa
Os dois médicos pediram entretanto desculpas públicas, depois do tema ter incendiado as redes sociais.

Jean-Paul Mira pediu desculpa num comunicado emitido pelo Hospital Cochin, na sexta-feira. “Quero pedir todas as desculpas aqueles que se sentiram atingidos, chocados e insultados pelos comentários que eu expressei descuidadamente na LCI esta semana, sendo que essas declarações não refletem quem eu sou e o que eu faço todos os dias, há cerca de 30 anos”, refere o médico no comunicado. O documento revelava ainda que o médico recebeu inúmeras ameaças de mortes, “muito inquietantes”, revelando que iria fazer queixa.

Jean-Paul Mira disse ainda ao Huffington Post que “os ensaios clínicos se fazem em todo o lado. Menos em África”, explicando que quis dar o exemplo de um “estudo feito para prteger as prostitutas na África do Sul”.

O Inserm primeiro defende Locht num comunicado de imprensa, dizendo que as declarações foram cortadas de uma conversa mais longa, ficando “sujeitas a interpretações erróneas nas redes sociais”. Mais tarde, acrescentou que “Camille Locht compreende as emoções causadas, ligadas à sua falta de reação em relação às propostas emitidas pelo seu interlocutor na televisão durante um programa em direto. As condições em que a entrevista foi conduzida não lhe permitiu reagir corretamente. Ele pede desculpa e realça que ele não pronunciou qualquer comentário racista”.


“O único objetivo da sua intervenção foi confirmar que a epidemia tinha uma escala global e que todos os países devem poder beneficiar dos resultados da pesquisa”, reforçou o instituto. “África não deve ser esquecida ou excluída de uma investigação porque a pandemia é global”.

O responsável da luta contra a pandemia na República Democrática do Congo, Jean-Jacques Muyembe, indicou que o país pode acolher testes de uma futura vacina, dando o exemplo as vacinas usadas a título experimental contra o Ébola. “Talvez no mês de julho já estaremos em condições de começar os testes clínicos desta vacina”, disse o virologista congolês, ao lado do embaixador americano no país, Mike Hammer.
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