Primeiro-ministro francês aprova projeto de lei sem votação e enfrenta moção de censura

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Sarah Meyssonnier - Reuters

A crise política francesa agravou-se depois de o primeiro-ministro francês, Michel Barnier, ter anunciado esta segunda-feira que vai acionar o artigo 49.3 da Constituição para aprovar o orçamento da Segurança Social sem votação. A esquerda radical e a extrema-direita já anunciaram que vão avançar com moções de censura.

Com menos de três meses como primeiro-ministro em França, Michel Barnier e o seu Governo estão em risco de cair.

Michel Barnier optou por não apresentar o projeto de lei de financiamento da Segurança Social a votação, preferindo recorrer ao artigo 49.3 da Constituição que lhe permite tornar viável o texto mesmo sem o voto dos parlamentares.

Num discurso perante os deputados na Assembleia Nacional, Michel Barnier destacou o desejo dos franceses de “estabilidade” e “visibilidade” e responsabilizou o Governo.

“Agora é um momento de verdade que confronta todos com as suas responsabilidades”, acrescentou.

“A partir de agora, senhoras e senhores deputados, todos devem assumir as suas responsabilidades e eu assumo as minhas ”, disse o primeiro-ministro. “Cabe agora a vocês, deputados, parlamentares da nação, decidir se o nosso país adota textos financeiros responsáveis, essenciais e úteis aos nossos concidadãos. Ou se estamos a entrar em território desconhecido”, reiterou, pedindo que se priorize “o futuro da nação” em detrimento dos “interesses particulares”.
Duas moções de censura
Com esta decisão, Barnier provocou a ira dos deputados franceses. A esquerda radical já confirmou que vai apresentar uma moção de censura ao Governo e a extrema-direita vai votar a favor.

Jean-Luc Mélenchon, líder do França Insubmissa, disse na rede social X que “todas as manobras para salvar o Governo de Barnier falharam” e este “vai cair”.

“E Macron, o único responsável pela crise financeira e política, deve devolver a voz ao povo francês”, acrescentou.

O partido de esquerda-direita Rassemblement National (RN), de Marine Le Pen, também já anunciou que vai apresentar a sua própria moção de censura e votará a favor na da esquerda.

“O primeiro-ministro acaba de ativar o artigo 49.3 da Constituição para aprovar o orçamento da Segurança Social. Este texto, tal como este Governo, merece censura”, escreveu o RN na rede social X.

"Não há saída para um Governo que se volte a ligar ao fio do Macronismo, que se recuse a ter em conta a emergência social no final do mês e que ignore a necessidade de relançar o crescimento", escreveu Jordan Bardella, líder do RN, no X.

“De onde vierem estas moções de censura, se houver uma ou mais, vamos votar estas moções de censura, e antes de mais, as nossas”, respondeu Le Pen na Assembleia Nacional.

Na manhã desta segunda-feira, o primeiro-ministro anunciou algumas concessões após Le Pen ter ameaçado derrubar o Governo, nomeadamente que iria deixar cair do novo orçamento o fim do reembolso de medicamentos, uma das linhas vermelhas traçadas por Le Pen.

No entanto, Le Pen considerou esta alteração insuficiente e apresentou um ultimato de última hora ao primeiro-ministro, exigindo ainda alterações ao plano do Governo para as reformas. O ultimato não foi aceite e Barnier forçou a aprovação do projeto de lei através do artigo 49.3 da Constituição.
O que acontece agora?
Os deputados têm agora um prazo de 24 horas para apresentar uma moção de censura. A votação só poderá realizar-se 48 horas após a apresentação da mesma, ou seja, não antes de quarta ou quinta-feira. 

Se contar com o apoio dos partidos de esquerda e da extrema-direita, a moção de censura é aprovada e o Governo cai. Barnier seria então forçado a renunciar, mas poderia permanecer numa administração interina até que o presidente Emmanuel Macron escolha um novo primeiro-ministro. A confirmar-se a aprovação da moção de censura, esta seria a primeira vez que um Governo francês era derrubado nestes moldes desde 1962 e o Governo de Barnier tornar-se-ia o mais curto da história da Quinta República.

Macron poderia pedir aos partidos que procurassem uma nova maioria de coligação ou nomeassem um governo estritamente tecnocrático até que novas eleições legislativas pudessem ser realizadas, no próximo verão.

Com uma crise do défice galopante e uma proposta de orçamento muito restritiva para o próximo ano, mais a subida de impostos e cortes nas despesas, França enfrenta assim uma nova crise política, que se arrasta desde que Macron convocou eleições antecipadas em junho, que deixaram o Parlamento dividido em três fações políticas, nenhuma com maioria absoluta.

A Comissão Europeia receia que, se não forem tomadas medidas como Barnier propôs, a dívida e o défice da segunda maior economia da Europa continuem a aumentar nos próximos anos, com sanções associadas ao incumprimento dos objetivos.

Apesar da crise política, o presidente francês não está em França. Emmanuel Macron chegou esta segunda-feira à Arábia Saudita para uma visita de Estado.

c/agências
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