O historiador britânico Timothy Garton Ash considerou que o declínio do império russo "está longe de ter terminado", sendo a primeira vez que esse processo envolve uma potência nuclear.
O processo russo "vai ser difícil, tenso e provavelmente sangrento, e, pela primeira vez na história mundial, é o declínio de um império que possui armas nucleares", afirmou Garton Ash em entrevista à agência Lusa em Lisboa.
Garton Ash vai apresentar hoje à tarde o seu livro "Pátrias - Uma história pessoal da Europa" (Temas e Debates, junho de 2023) no Estoril Political Forum, organizado pelo Instituto de Estudos Europeus da Universidade Católica Portuguesa.
O professor de Estudos Europeus da Universidade de Oxford referiu a Bielorrússia, as repúblicas da Ásia Central, a Chechénia ou as minorias da Federação Russa como algumas das questões menos faladas, mas ainda em aberto.
Lembrou processos de desagregação de impérios e descolonizações como os vividos pela Grã-Bretanha, Portugal ou França, em que havia países de origem bem estabelecidos e instituições a funcionar.
"A Rússia não tem sido mais do que um império nos últimos 300 anos, desde Pedro, o Grande. Não existe um Estado-nação russo claramente definido para onde regressar", afirmou.
O processo tem de ser vivido pelos russos, sem que outros países o possam influenciar diretamente, defendeu.
"Penso que não devemos sobrestimar de forma alguma a nossa possibilidade de influência direta sobre a Rússia", disse.
À Europa, no contexto atual, resta garantir segurança na UE e na NATO, incluindo da Ucrânia e de outros países, e estar preparada para qualquer contingência na Rússia, positiva ou negativa.
"Devemos continuar a transmitir a mensagem ao povo russo de que é possível um futuro melhor, que se a Rússia mudar a abordagem em relação aos vizinhos e ao Ocidente estamos prontos para estabelecer uma relação diferente", afirmou.
"Esta mensagem para a Rússia é uma das coisas mais importantes que podemos fazer, mas não podemos influenciar diretamente", disse.
Garton Ash disse também que o mundo mudou desde o colapso da União Soviética, em 1991, sendo necessário contar com a China, mas também com outras potências não ocidentais, como Índia, Turquia, Brasil e África do Sul.
"Apesar do que a Rússia está a fazer na Ucrânia, [estas potências não ocidentais] continuam a ter boas relações com a Rússia e não vão, de todo, alinhar-se com o Ocidente", referiu.
Garton Ash considerou que a Europa deveria repensar a relação com as outras potências não ocidentais, referindo que o Brasil "seria muito interessante no contexto português".
"O que temos de fazer não é pensar neles como uma massa indiferenciada chamada `Sul Global`, que apenas tem de estar do nosso lado, mas como grandes potências por direito próprio", defendeu.
Deve haver "uma conversa muito mais sóbria" em que os países sejam tratados como entidades "com interesses, aspirações e valores próprios".
Com essa nova abordagem, será possível encontrar pontos comuns e projetos conjuntos, dando como exemplo o interesse de todos em preservar a floresta tropical no Brasil.
"Temos de tratar todos com respeito, mas também sem o enquadramento bipolar, Ocidente e o resto, o Norte, o Sul", disse.
Garton Ash referiu que o Presidente norte-americano, Joe Biden, refere-se às democracias contra as autocracias.
"É precisamente disto que eles [as novas potências] não gostam. Não querem voltar à Guerra Fria, em que ou se está com o Ocidente ou se está contra ele", acrescentou.