Pressão psicológica e sexismo no desporto. Atletas femininas dizem basta

por Graça Andrade Ramos - RTP
A ginasta alemã Sarah Voss na trave durante os Jogos Olímpicos Tóquio2020, dia 25 de julho de 2021 How Hwee Young - EPA

Simone Biles, estrela máxima da ginástica dos Estados Unidos da América, marcou para sempre os Jogos Olímpicos de Tóquio ao desistir terça-feira, 27 de julho de 2021, por "pressão psicológica". E a equipa alemã da mesma modalidade chamou a atenção para a necessidade de liberdade de escolha dos equipamentos de competição femininos, lançando mais uma acha para uma fogueira de contestação que promete alastrar.

A decisão de Biles trouxe à tona os problemas mentais, como a depressão, que podem afetar os atletas de alta competição. 

“Eu tremia e mal conseguia dormir. Nunca me tinha sucedido isto antes de uma competição”, admitiu Biles, conhecida pela sua alta capacidade de resistência física e mental.

A questão não é nova e o Comité Olímpico Internacional tem por exemplo em Tóquio uma equipa especializada para apoiar os atletas durante os Jogos.

A pandemia, com o adiamento dos JO e de outras competições e a solidão dos treinos, pode explicar em parte os problemas de Biles, mas a desistência da ginasta reavivou memórias de outros tipos de pressão sofridas especificamente pelas atletas femininas.
Despertar de consciências
A ginástica tem sido uma das disciplinas mais flageladas pela denúncia de abusos das atletas, que começam geralmente a carreira em idades vulneráveis, por parte de responsáveis de ginásios, de treinadores e de pessoal médico de apoio às equipas. Em 2018, Larry Nassar, um dos mais prestigiados médicos da modalidade nos Estados Unidos, foi condenado a 100 anos de prisão por conduta abusiva sobre 265 jovens e meninas ao longo de anos. O escândalo destapou uma caixa de Pandora e revelou a extensão dos abusos de que as atletas eram vítimas.

Se o mundo se indignou com as revelações sobre Nassar, são ainda poucos os que comentam os equipamentos desportivos obrigatórios em competição internacional para as mulheres nalguns desportos, como os calcões biquíni em vez de calções de perna curta, além de t-shirts sem mangas e justas, no andebol de praia, ou os fatos de ginástica, tradicionalmente cavados nas pernas.

Essa consciência começou agora a despertar.

Dias antes do sismo Biles, as quatro atletas da equipa feminina alemã de ginástica de aparelhos, Sarah Voss, Pauline Schaefer-Betz, Elisabeth Seitz e Kim Bui, apresentaram-se na competição olímpica de fato inteiro, numa iniciativa destinada a promover entre as ginastas mais novas a liberdade de escolha nos equipamentos com que se sentissem mais confortáveis. A ginasta alemã Pauline Schaefer-Betz  na trave durante os Jogos Olímpicos Tóquio2020, dia 25 de julho de 2021 - EPA
Uma explicação da iniciativa relativamente discreta. Os defensores mais acérrimos da mudança querem ir mais longe e apontam o contraste com os equipamentos masculinos, das mesmas modalidades, que revela uma cultura que híper-sexualiza as mulheres e a qual, afirmam, urge denunciar e terminar.

Há quem refira, por exemplo, que as imagens de mulheres atléticas meias nuas em atividade física, muitas vezes filmadas em ângulos reveladores, atraem mais publicidade para os torneios.
Multadas por usar calções e não biquíni
O caso mais polémico neste debate, deu-se uma semana antes dos Jogos Olímpicos e envolveu a equipa norueguesa de andebol de praia.

Durante os Europeus da modalidade, na Bulgária, as jogadoras apresentaram-se dia 18 de julho perante a Espanha, na disputa pela medalha de bronze, envergando calções em vez do biquíni regulamentar.

A Federação europeia de andebol, que rege o andebol de praia, reagiu com severidade e multou cada jogadora em 150 euros, num total de 1500 euros.

A reação generalizada face à multa foi de espanto, de incredulidade, de indignação e de fúria.

O presidente da federação norueguesa daquele desporto, Eirik Sørdahl, afirmou à agência de notícias nacional, NTB, que “em 2021, isso nem sequer deveria ser um problema”. No Instagram, anunciou que iria pagar a multa imposta às atletas. “Estamos muito orgulhosos destas raparigas”, afirmou, “que levantaram a voz e proclamaram basta!”.

“Uma visão tão sexista da mulher pertence a outra época”, afirmou em editorial um jornal norueguês. A tenista Martina Navratilova reagiu no Twitter onde escreveu “Isto é completamente ridículo!”. E a multa acabou por ser paga pela cantora norte-americana Pink, para quem a federação internacional de andebol deveria ser ela própria multada por sexismo.
O regulamento oficial impõe às mulheres nas competições internacionais de andebol de praia “biquínis justos e cavados”, com uma altura máxima de calção de 10 centímetros, além de t-shirts justas e cavadas. Já os homens podem jogar com calções até 10 centímetros acima dos joelhos “que não sejam demasiado largos” e de t-shirt com mangas.

Desde os Jogos Olímpicos de 2012 que as regras para as atletas foram liberalizadas para o uso de calções, o que torna a decisão federativa contra as norueguesas uma exigência aparentemente excessiva.
Polémica promete continuar
Muitas mulheres afirmam que os equipamentos regulamentares de competição internacional as deixam desconfortáveis, sobretudo quando estão menstruadas, ou quando a amplitude de movimentos ou contacto corpo a corpo fazem escorregar as peças de roupa.

Algumas começam a admitir que se sentem ainda desagradavelmente observadas pelos espetadores mas não devido às suas qualidades desportivas. Martine Welfler, a atleta com o número 4 da seleção norueguesa afirmou que muitas atletas do seu país recusam integrar a equipa nacional por não se sentirem à vontade em biquíni (na Noruega podem jogar de calções) e por estarem fartas de se sentirem observadas em equipamentos justos e exíguos.

Já em 2006, os equipamentos obrigatórios da modalidade eram considerados discriminatórios em certas culturas e povos e algumas vozes insurgiam-se contra a ênfase dada à vertente “praia” devido ao biquíni.

Para muitas atletas, contudo, a mudança seria um retrocesso, a tempos em que se exigia às mulheres estarem mais tapadas. Em fevereiro de 2021 a equipa alemã recusou participar num torneio em Doha, Qatar, por o biquíni ser ali proibido. Em 2019 as jogadoras foram autorizadas a jogar em fato de banho nos Jogos Mundiais de Praia.

Em abril deste ano, a federação norueguesa levantou a questão do uso obrigatório do biquíni junto da federação internacional, mas esta remeteu o debate para novembro, após os Jogos Olímpicos.
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