A presidente do Supremo Tribunal de Israel criticou hoje as alterações radicais ao sistema judicial do país apresentadas pelo novo Governo conservador, juntando a voz aos crescentes protestos contra a reforma proposta.
Esther Hayut emitiu comentários invulgarmente contundentes sobre o novo ministro da Justiça do executivo de Netanyahu, Yariv Levin, afirmando que as alterações por ele propostas equivaleriam a um "ataque desenfreado ao sistema judicial".
"Israel vai em breve celebrar 75 anos de independência como um Estado judeu e democrático. É uma data importante na vida de um Estado", sublinhou Hayut numa conferência da Associação Israelita de Direito Público.
"Infelizmente, se o plano de mudança que foi apresentado for aplicado, o 75.º aniversário [do país] será lembrado como o ano em que a identidade democrática de Israel sofreu um golpe fatal", prosseguiu.
Hayut sublinhou que a independência é a "alma dos tribunais" e que, sem ela, os juízes não poderão cumprir as suas funções de servidores públicos.
A presidente da máxima instância judicial israelita referia-se a uma proposta que permitirá ao parlamento reverter decisões do Supremo com apenas uma maioria simples.
Durante décadas, em Israel, o poder judicial desempenhou um papel fundamental na proteção dos direitos das minorias e como fiel da balança do poder exercido pela maioria parlamentar.
"Trata-se de anular os direitos humanos de todos os membros da sociedade israelita", disse Hayut, citada pela imprensa israelita.
A anunciada reforma judicial desencadeou uma onda de protesto no país: sete ex-procuradores gerais que ocuparam o cargo nas últimas cinco décadas também se pronunciaram hoje contra o plano do Governo de Netanyahu assinando uma carta de protesto, juntamente com quatro altos responsáveis judiciais.
Três desses sete procuradores foram nomeados durante os anteriores mandatos de Netanyahu no poder. A carta, publicada na imprensa israelita, condenou as alterações propostas, argumentando que estas são destrutivas para o sistema judicial do país.
"Apelamos ao Governo para retirar o plano proposto e impedir os graves danos ao poder judicial e ao Estado de direito", lê-se na missiva.
Os ex-responsáveis judiciais sustentam que as alterações constantes do plano governamental transformariam o Supremo Tribunal, muitas vezes o último recurso de israelitas e palestinianos que tentam lutar contra o que consideram políticas discriminatórias, num "organismo pseudo-político que seria suspeito de contornar a lei em benefício do Governo".
O novo executivo israelita fez da reforma do sistema judicial do país uma questão central da sua agenda: quer enfraquecer o Supremo Tribunal, inclusive politizando a nomeação de juízes e reduzindo a independência dos assessores jurídicos do Governo.
As alterações judiciais poderão ajudar Netanyahu, que está a ser julgado por corrupção, a escapar a uma condenação, ou mesmo fazer o seu julgamento desaparecer por completo.
Desde que foi indiciado, em 2019, Netanyahu tem criticado publicamente o sistema judicial, classificando-o como preconceituoso contra ele, e afirma agora que esta reforma do poder judicial será realizada de forma responsável.
A apresentação do plano causou alvoroço devido ao que os seus detratores consideram uma grande ameaça aos alicerces da democracia israelita.
A atual procuradora-geral do país, Gali Baharav-Miara, também já criticou duramente as mudanças propostas, e uma manifestação contra elas concentrou milhares de pessoas, na semana passada.
Os defensores desta reforma sustentam que ela vai controlar um Supremo Tribunal excessivamente intervencionista e ajudar o parlamento a governar e a legislar; os críticos contrapõem que o plano do Governo vai enfraquecer o Supremo Tribunal, destruir o sistema de equilíbrio e minar as instituições democráticas de Israel, dando poder absoluto ao Governo mais à direita da história do país.