Prémio Sakharov atribuído ao uigure Ilham Tohti

por Graça Andrade Ramos - RTP
Um ativista uigure fotografado em junho deste ano durante uma manifestação contra o Governo de Pequim à margem da cimeira do G20 em Osaka, no Japão Jorge Silva - Reuters

O Parlamento Europeu atribuiu esta quinta-feira o Prémio Sakharov para a Liberdade do Pensamento ao intelectual uigure Ilham Tohti, condenado a prisão perpétua na China por "separatismo". A atribuição do prémio poderá irritar Pequim.

A candidatura de Tohti ao galardão, que distingue "uma contribuição excecional à luta pelos Direitos do Homem no mundo", foi sugerida ao Parlamento Europeu pelo grupo liberal Renew Europe (Renovar a Europa).

Membro da comunidade Uigure, de origem Turcomena, ILham Tohti é o primeiro muçulmano a receber o prémio Sakarov para a Liberdade de Pensamento.

Ilham Tothi já tinha sido nomeado para o Prémio Sakharov em 2016. Desta vez, a Conferência de Presidentes do Parlamento Europeu - estrutura que junta o líder do PE e dos partidos políticos representados na assembleia europeia - decidiu pela atribuição do prémio ao economista.

O PE pede agora à China a libertação "imediata" de Tohti.

 

Reportagem de Fernanda Gabriel, Antena 1

Antigo professor de Economia numa universidade de Pequim, Ilham Tohti foi condenado em 2014 pela justiça chinesa à pena perpétua acusado de "separatismo", num processo que suscitou críticas severas por parte de governos estrangeiros e de organizações de defesa dos Direitos Humanos.Tohti recebe o Prémio Sahkarov na véspera de completar 50 anos.

Ilham Tohti pertence à etnia uigure, maioritariamente muçulmana, e a população maioritária de Xinjiang, uma vasta região do nordeste da China, com uma longa história de contestação ao domínio de Pequim.

Durante anos, os atentados sucederam-se na província, atualmente dominada por um controle militar drástico.

Pequim considera Tohti, o académico uigure mais proeminente, um dos rostos dessa violência, que classifica de terrorismo.
Rosto da contestação
Nascido em 1969 em Artush, na província uigure de Xianjiang, Tohti tornou-se um defensor acérrimo da aplicação na região das leis de autonomia de 1948, criticando nomeadamente a entrada sistemática de trabalhadores migrantes em Xianjiang, enquanto as mulheres uigures migram para a China, para encontrar ttrabalho.

Em 2006, fundou e foi o principal rosto do sítio Uyghur Online, que debatia os problemas da etnia e da China em geral, encerrado pelas autoridades chinesas em meados de 2008, por criar ligações extremistas entre a diáspora uigure.

Em 2009, após a sublevação étnica uigure contra a etnia han em Urumqi, no mês de julho, foi detido pelas autoridades chinesas
pelas suas críticas às políticas governamentais e contra o governador da província pela inação na defesa dos uigures.

Tothi foi depois libertado, apenas para voltar a ser detido em janeiro de 2014.Processo em 2014

Ilham Tohti sempre foi frontal nas críticas à política oficial chinesa em Xinjiang. Foi novamente detido em 2014 por "suspeita de infringir a lei".

As autoridades removeram vários computadores da residência de Tohti e detiveram-no num centro a milhares de quilómetros de Pequim, na Região Autónoma Uigure de Xinjiang.

No início do processo levantando contra o professor universitário, a sua mulher, Nu'er, afirmou à Agência Reuters não ter notícias do marido e estar sob prisão domiciliária, com única autorização de, sob vigilância apertada, levar e trazer os filhos à escola.

Em setembro de 2014, depois de uma audição de dois dias no Tribunal Intermédio do Povo em Urumqui, Tohti foi condenado de "separatismo" e sentenciado a prisão perpétua. Foi ainda decidida a apreensão de todos os seus bens.

A Amnistia Internacional afirma que a equipa de defesa do professor universitário nunca teve acesso a provas que sustentassem as acusações, tendo sido impedida de contactar o seu clliente durante seis meses.

A organização condenou o processo como "uma afronta à Justiça".
Prémio Václav-Havel
No final de setembro de 2019, Ilham Tohti foi agraciado com o Prémio Václav-Havel, atribuído pelo Conselho da Europa - uma instituição diferente da União Europeia, encarregue de promover a democracia e os Direitos Humanos.

Na altura, a diplomacia chinesa reagiu com irritação, condenando a atribuição do Prémio.

"Brandindo o pretexto dos Direitos Humanos e da liberdade, [o Conselho da Europa] branqueia um separatista que apoia a violência e o terrorismo", criticou.

Pelos seus esforços, apesar das adversidades, Tothi recebeu em 2014 o Prémio PEN/Barbara Goldsmith Liberdade de Escrita, e em 2016 o Prémio Martin Ennals, galardões que também levaram a protestos por parte de Pequim.

Entre os restantes finalistas do Prémio Sakharov, incluíam-se duas jovens raparigas quenianas, que combatem a excisão, e três personalidades brasileiras que defendem as minorias e o ambiente, incluindo o chefe índio Raoni, conhecido pela defesa dos povos indígenas ameaçados pela deflorestação.
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