O Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, afirmou que o processo em torno da extradição de Alex Saab, alegado testa-de-ferro de Nicolás Maduro, validada pelos tribunais, respeitou a Constituição, apesar das críticas da defesa.
"Esse processo decorreu de acordo com a Constituição e as leis de Cabo Verde. Chegou-se agora a esta decisão do Tribunal Constitucional. Eu sempre disse que o Estado de Cabo Verde tem que cumprir as decisões de órgãos legítimos que aplicam o direito em Cabo Verde. Agora a avaliação que a defesa faz é a avaliação da defesa, naturalmente que eu compreendo", disse o chefe de Estado, questionado pelos jornalistas na quinta-feira à noite.
Horas antes, a defesa de Alex Saab acusou o Tribunal Constitucional (TC) cabo-verdiano de "suicídio constitucional" e afirmou que pretende explorar todas as soluções legais contra a autorização à extradição para os Estado Unidos da América (EUA).
"Esta decisão é um momento importante na história constitucional deste pequeno Estado africano porque simboliza a morte sacrificial do Estado de direito que tanto custou a adquirir aos cabo-verdianos, ao serviço de interesses puramente políticos, de acordo com uma agenda ditada por Washington. Isto é suicídio constitucional", lê-se numa declaração enviada pela defesa de Saab à Lusa, assinada pelo advogado Femi Falana.
"Não li e nem ouvi e nem iria comentar as declarações da defesa. É como disse desde o início, este é um processo que passou por muitas instâncias. Passou pelo crivo de um Tribunal de Relação, do Supremo Tribunal de Justiça, agora houve um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade do Tribunal Constitucional e, portanto, há uma decisão", afirmou Jorge Carlos Fonseca.
O TC de Cabo Verde rejeitou esta semana o recurso da defesa de Alex Saab, contra a decisão de autorizar a extradição para os EUA, conforme acórdão a que a Lusa teve acesso.
"Julgar improcedente o recurso interposto pelo senhor Alex Saab", lê-se no acórdão 39/2021, de 30 de agosto e publicado na terça-feira, com 194 páginas.
"Extremamente mal escrito, mal argumentado e juridicamente incoerente, este acórdão faria corar um estudante de direito. A instrumentalização da lei para fins políticos requer um certo talento que parece faltar aos juízes cabo-verdianos", acusou o advogado de defesa.
Afirma que "ao decidir contra Alex Saab", o TC "também decidiu contra a Constituição de Cabo Verde, contra o Tratado Revisto da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e contra o Direito Internacional".
"Assim, a decisão afastou completamente Cabo Verde da comunidade das Nações civilizadas. Não podemos deixar nenhuma pedra legal sem mexer nem nenhum meio inexplorado até ganharmos a liberdade de Alex Saab", afirma ainda.
Alex Saab, 49 anos, de nacionalidade colombiana, foi detido pela Interpol e pelas autoridades cabo-verdianas em 12 de junho de 2020, durante uma escala técnica no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, ilha do Sal, com base num mandado de captura internacional emitido pelos EUA, numa viagem para o Irão em representação da Venezuela, na qualidade de "enviado especial" e com passaporte diplomático.
A sua detenção colocou Cabo Verde no centro de uma disputa entre o regime do Presidente Nicolás Maduro, na Venezuela, que alega as suas funções diplomáticas aquando da detenção, e a Presidência norte-americana, bem como irregularidades no mandado de captura internacional e no processo de detenção.
O TC realizou em 12 de agosto, na cidade da Praia, a audiência pública de julgamento do recurso interposto pela defesa de Alex Saab à decisão de extradição para os EUA. A audiência dizia respeito ao processo de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade, em que a defesa de Alex Saab recorria da decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que em março autorizou a extradição.
Washington pede a sua extradição, acusando-o de branquear 350 milhões de dólares (295 milhões de euros) para pagar atos de corrupção do Presidente venezuelano, através do sistema financeiro norte-americano.
Para Femi Falana, o TC disse "não aos direitos humanos, ao direito internacional, ao senso comum, à consciência jurídica e aos valores da justiça e do Estado de direito".
"Este `Não` não tem fundamento jurídico e não convence. Sem dúvida que o Tribunal Constitucional terá desempenhado o papel político que lhe foi exigido, mas este movimento político exigiu o sacrifício da Constituição", afirma.
O Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (TJ-CEDEAO) ordenou em 15 de março a "libertação imediata" de Alex Saab, por violação dos direitos humanos, instando as autoridades cabo-verdianas a pararem a extradição.
Contudo, dois dias depois, o STJ autorizou a extradição, rejeitando o recurso da defesa, decisão que não chegou a transitar em julgado, com o recurso da defesa para o TC, que aguardava decisão.
Sobre a admissibilidade deste recurso, os três juízes conselheiros do TC decidiram não reconhecer, por unanimidade, cinco questões levantadas pela defesa, envolvendo, genericamente, a constitucionalidade do processo de extradição. Já sobre o mérito do recurso, decidiram por unanimidade não declarar a inconstitucionalidade - pedida pela defesa - de sete normas envolvendo a Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal e a sua aplicação pelo tribunal recorrido, enquanto uma decisão sobre outra norma foi adotada por maioria (dois juízes conselheiros).
Por unanimidade, decidiram ainda "confirmar e declarar a inconstitucionalidade de norma hipotética decorrente dos artigos 15.º, número 4, e artigos 34.º, 89.º e 90.º do Tratado Constitutivo da CEDEAO e os Protocolos Relativos ao Tribunal de Justiça da CEDEAO de 1991 e de 2005", que "determinaria o cumprimento de decisão do TJ-CEDEAO, que o Supremo Tribunal de Justiça se recusou a aplicar, por desconformidade com o princípio da soberania nacional, com as regras constitucionais sobre vinculação do Estado de Cabo Verde a tratados e com o princípio de acordo com o qual não se pode privar os tribunais da sua competência".