PR critica partidos que manipulam jovens das artes marciais para se infiltrar no Estado

por Lusa

O Presidente da República timorense manifestou-se hoje preocupado com a possibilidade de o eleitorado do país escolha partidos e "líderes sem escrúpulos" que manipulam os jovens das artes marciais para tirar benefícios próprios do Estado.

"A minha única preocupação é que o nosso eleitorado eleja gente de partidos que na realidade são movimentos de artes marciais. A arte marcial, em si, não é o problema. O problema é gente sem escrúpulos que manipula os jovens a entrar nas artes marciais e faz da arte marcial um instrumento de política para entrar no aparelho do Estado e dali sacar benesses, privilégios", disse José Ramos-Horta em entrevista à Lusa.

"Privilégios políticos e privilégios financeiros. Isto é que é inaceitável numa democracia. Que façam isso num outro país, muito bem, mas numa democracia eu não posso pactuar", afirmou, menos de uma semana antes dos eleitores irem às urnas para eleger os 65 deputados do Parlamento Nacional.

O chefe de Estado sugeriu mesmo que, depois das eleições, poderá não dar posse a um Governo que integre um destes partidos.

"Seria muito difícil para mim pactuar e através de mim (...) legitimar estas formações num Governo de um país que supostamente se rege pelas leis, pela Constituição, (...) um Estado de Direito", disse.

José Ramos-Horta vincou que o problema não são as artes marciais em si, nem mesmo que alguns dos grupos ativos em Timor-Leste estejam ligados à Indonésia, relembrando que algumas modalidades estão ligadas, por exemplo, à Coreia do Sul ou ao Japão.

Porém, se as artes marciais - como modalidade desportiva e de reunião de jovens -- são "inofensivas", o mesmo não ocorre com a realidade no país onde os grupos são usados para benefícios políticos e financeiros.

"Torna-se ofensivo quando um elemento, uma pessoa, que não é burro, é inteligente, embora meio analfabeto, se apropria da arte marcial e converte a arte marcial em partido político", disse.

"Ganha cinco cadeiras, por exemplo, e depois faz pressão, lóbi, aos partidos maiores, que precisam dessas cinco cadeiras para ter maioria e poder governar para, por exemplo, ocupar a pasta da Segurança, do Ministério do Interior, da Solidariedade Social, que tem 100 milhões de dólares de orçamento. (...) Isto é que me preocupa", referiu.

As pastas do Interior e da Solidariedade Social e Inclusão no atual Governo são controladas por elementos do Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO), uma das três forças no executivo, que por sua vez tem como base o grupo de artes marciais KORKA.

O partido tem atualmente cinco cadeiras no Parlamento Nacional.

Neste quadro, Ramos-Horta apelou ao eleitorado para escolher partidos que não estejam apenas preocupados com os interesses próprios.

"Apelo a todos que me ouvirem que votem verdadeiramente com a preocupação de que o voto vai eleger um partido, um líder de total confiança do país. O voto não pode contribuir para maior infiltração de interesses que não os interesses do país no aparelho do Estado e [que] depois usa a sua posição no aparelho de Estado para [se] beneficiar a si próprio e nem sequer é o movimento que (...) representa", afirmou.

Os comentários do presidente surgem numa altura de crescente debate em Timor-Leste sobre as ligações entre grupos de artes marciais e partidos políticos.

Além do KHUNTO, o boletim de voto tem outra força política ligada a grupos de artes marciais, nomeadamente o estreante Partido Os Verdes de Timor (PVT), que reivindica ter entre os seus membros a maioria dos elementos do grupo de artes marciais 77.

É comum nos comícios e ações partidárias destas forças que, tanto dirigentes como militantes, se apresentem com simbologia dos respetivos grupos de artes marciais, nomeadamente em gestos feitos com as mãos.

Em abril a organização não-governamental timorense Fundasaun Mahein (FM) alertou para o que considera ser a crescente politização de grupos de artes marciais (GAM) no país, especialmente no contexto eleitoral, destacando os riscos de violência e instabilidade sociopolítica.

"Embora os GAM possam proporcionar vários benefícios a nível individual e comunitário, a Fundasaun Mahein continua preocupada com o facto de a crescente colaboração entre as GAM e os partidos políticos -- bem como a penetração de várias instituições estatais pelas GAM -- poder contribuir para o aumento da violência e da instabilidade sociopolítica", referiu a FM.

As eleições decorrem no domingo, com um número recorde de eleitores.

 

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