Portugueses na primeira linha do estudo das atmosferas de mil exoplanetas

Conhecer mais e melhor os planetas extra-sistema solar. Este é um dos próximos objetivos da Agência Espacial Europeia. Para lá chegar, vai contar com uma forte participação de investigadores, técnicos e tecnologia de origem portuguesa.

De nome Ariel, esta missão da ESA é a primeira dedicada ao estudo da natureza, da formação e da evolução de exoplanetas.

A missão é, já por natureza, ambiciosa, pois a Agência Espacial Europeia quer medir a composição química e das propriedades térmicas da atmosfera de cerca de mil exoplanetas gasosos e rochosos, desde os extremamente quentes até aos temperados.

Para tal, vai observar trânsitos ou ocultações planetárias, recorrendo a uma técnica chamada de espectroscopia - uma nova forma de fazer ciência que permitirá medir as “impressões digitais” dos gases que compõem as atmosferas exoplanetárias.

Estes dados vão depois permitir estabelecer ligações entre composição química, formação e evolução dos planetas e o ambiente nos quais estes se formaram

Com lançamento previsto para 2029, no novo lançador europeu - Ariane 6 - conta já com uma forte participação de investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa) e da Universidade do Porto (UPorto).

A missão espacial acaba de passar da fase de estudo para a implementação.
Participação portuguesa na missão Ariel
Programada para 2029, a missão Ariel, da ESA, terá uma duração inicial de quatro anos e conta também com a participação de outras agências espaciais.

Uma missão com a particularidade de complementar outras missões de observação exoplanetária e que não se destina a descobrir onde estão novos mundos, mas a revelar qual a atmosfera que os compõe.

"A contribuição portuguesa nesta missão em termos de ciência é bastante forte e interessante", diz Pedro Mota Machado (IA & Ciências ULisboa), representante nacional da missão Ariel.

“Estamos a liderar um dos objetivos de ciência da missão, que é a sinergia entre o estudo das atmosferas dos planetas do Sistema Solar e dos exoplanetas, e estamos envolvidos noutros objetivos como cálculos de suporte das velocidades radiais dos exoplanetas ou a ligação entre os exoplanetas e a sua estrela-mãe."

O investigador português lidera este projecto e conta com várias dezenas de investigadores nacionais e estrangeiros."Há vários países da Agência Espacial Europeia que estão neste consórcio e Portugal, eu diria que e a bandeirinha portuguesa é grande. Até porque a parte mais visível da nave espacial, do telescópio espacial, vai ser construída aqui em Portugal", refere o investigador.

Este consórcio de suporte a missão do novo telescópio Ariel espacial, adotada pela ESA, existe desde 2016, mas é Portugal que praticamente prepara todos os detalhes associados esta missão.

"Os objectivos, com o que pretendemos fazer, como é que o que pretendemos fazer e com testes de moda a termos evidência científica, que com o tipo de observações que nos propomos fazer com esta missão, conseguimos obter os resultados e a ciência a que nos propomos construir", refere o investigador da IA & Ciências da Universidade de Lisboa.

Portugueses por "ares nunca dantes investigados" em novos mundos 
Se há 500 anos os navegadores portugueses se guiaram pelos astros para chegar a “terras novas”, também agora os astro-navegadores procuram nas estrelas saber como são os novos mundos.

Para o investigador Pedro Mota Machado, não podemos estar mais perto da verdade, "porque vamos caracterizar novos mundos. Outros mundos que orbitam longínquas estrelas que estão a anos-luz da Terra. Ou seja, nesta missão o foco essencial é estudar as atmosferas planetárias, saber qual a composição que terão estas atmosferas. Será que alguma terá oxigénio, não sabemos e não sabemos, temos alguns modelos, mas a missão Ariel vai trazer luz para estes casos".


Estas missões, que podem parecer desproporcionadas, acabam por trazer novas tecnologias que podemos vir a utilizar regularmente, explica o investigador da IA & ULisboa.

"É assim que a ciência e a investigação fundamental funciona. Nós temos que estar no limite para ir dar mais um passo, para ir mais além e que depois acaba por trazer sempre consequências para o desenvolvimento da tecnologias, das comunicações, da agricultura da medicina. Muitas vezes essa investigação fundamental acaba por ter consequências muitas vezes até inesperadas. Veja-se por exemplo o caso da missão da ida à Lua, que nos trouxe um grande salto na electrónica, nos computadores, nas telecomunicações, e até os refletores das bicicletas que vêm da missão especial. Há muitas coisas que não são de uma leitura direta, mas que nós vamos estar nesta grande, grande aventura, que é algo de novo, porque até agora não era possível, pois não havia tecnologias para fazer estes estudos".
O são os exoplanetas?

Um exoplaneta existe fora do Sistema Solar. É também referido, por vezes, como planeta extrasolar.

Já foram descobertos quase 4200 exoplanetas. Alguns tão maciços como Júpiter, mas que orbitam muito mais perto da estrela hospedeira do que Mercúrio em relação ao Sol.

Outros existem de formação rochosa ou gelada e outros são tão exóticos que nem se podem comparar aos que orbitam o Sol.

Há sistemas que têm apenas um planeta, planetas que orbitam duas estrelas, mas há apenas um número muito restrito de planetas conhecidos que podem até ter as condições certas para que a água seja estável à superfície. Um ingrediente necessário à vida como a conhecemos.

Porquê estudar exoplanetas?
"Estamos sozinhos no universo?" Esta é uma das perguntas mais profundas que a humanidade pode fazer.

A descoberta dos primeiros exoplanetas a orbitar uma estrela, como o Sol, aconteceu em 1992 e hoje o estudo destes corpos celestes é uma das áreas de crescimento mais rápidas na astronomia.

Estudar exoplanetas e sistemas planetários não só ajuda a aprender como esses sistemas particulares se formaram e evoluíram, mas fornece pistas essenciais para entender se e onde a vida pode existir no universo.

Descobrir exoplanetas é descobrir a composição do universo
Ainda há cerca de quatro décadas os professores ensinavam às crianças na escola primária que existiam nove planetas no Sistema Solar. Plutão perdeu, entretanto, a designação de planeta.

Certo é que a comunidade científica já suspeitava da existência de outros planetas, além das fronteiras espaciais da humanidade, muitas vezes imaginados nos filmes e revistas de ficção cientifica. Mas faltavam instrumentos que facultassem essas provas.

Em 1984 o observatório de Las Campanas, no Chile, captava pela primeira vez uma imagem muito difusa de um fenómeno que mais tarde se viria a comprovar ser o disco de um exoplaneta, mas ainda então ainda no campo das hipóteses.


"Foi só a 9 de janeiro de 1992 que surgiram oficialmente notícias proveninentes dos radioastrónomos Aleksander Wolszczan e Dale Frail que davam conta da existência de planetas além da nossa vizinhança. E foram dois exoplanetas excêntricos e polémicos (a que se juntou a detecção de um outro mais tarde) na localização e anúncio: PSR B1257+12 b (nome popular: Draugr), PSR B1257+12 c (nome popular: Poltergeist) e PSR B1257+12 d (nome popular: Phobetor) orbitam um pulsar na constelação da Virgem a 980 anos-luz da Terra e estes exoplanetas tiveram de sobreviver à explosão da sua estrela mãe e suportar a intensa radiação e campo magnético do que restou de tal explosão: um núcleo estelar muito denso e em elevada rotação [pulsar].

De nome cientifico 51 Pegasi b e baptizado mais tarde e oficialmente como "Dimidium", este astro foi o primeiro exoplaneta a ser descoberto e anunciado (outubro de 1995) a orbitar uma estrela da chamada “sequência principal” – ou seja, na sua “fase adulta” – e parecida com o nosso Sol, uma descoberta que valeu aos astrónomos Michel Mayor e Didier Queloz o Prémio Nobel da Física em 2019 (juntamente com James Peebles pelas descobertas teóricas em cosmologia física)".

O que leva os cientistas a procurarem planetas distantes?
Em primeiro lugar, a curiosidade humana de saber se a sua e as demais espécies da Terra estão sozinhas no universo; depois, a curiosidade científica de saber como são e como se comportam estes novos astros planetários.

São razões como estas que levarão a ESA a lançar, na próxima década, três novos telescópios exo-exploradores: Cheops, Platão e Ariel; cada um vai abordar um aspecto único da ciência dos exoplanetas.

Crédito: ESA/STFC RAL Space/UCL/UK Space Agency/ ATG Medialab

O Satélite de Caracterização de Exoplanetas Cheops observará estrelas próximas e brilhantes que já hospedam exoplanetas, focalizando-se particularmente naqueles com planetas do tamanho da Terra a Neptuno. Este novo telescópio espacial fará medições precisas dos planetas em trânsito para obter sua densidade e, como tal, fará uma caracterização inicial da respetiva natureza e estrutura, discernindo entre planetas rochosos, gelados, de água ou gasosos. O Cheops também ajudará a fornecer alvos para outras missões, incluindo o telescópio espacial internacional James Webb, que será usado para pesquisar assinaturas de água e metano, elementos importantes para a procura de sinais de habitabilidade.

Plato, outro telescópio, terá a particulariedade de estudar os trânsitos e oscilações das estrelas. Esta missão vai fazer do novo satélite da ESA um caçador de planetas da próxima geração, com ênfase nas propriedades dos planetas rochosos em órbitas até à zona habitável - onde a água líquida pode existir na superfície do planeta - em torno do Sol - como estrelas. Também será nesta missão que se investigará a atividade sísmica em estrelas. Um estudo que vai permitir a caracterização precisa das estrelas hospedeiras dos planetas, incluindo a idade, dando a conhecer por osmose informações sobre a idade e o estado evolutivo do sistema planetário dessas estrelas.

Já a missão Ariel fará o estudo dos exoplanetas através da leitura dos espetros. Trata-se de uma técnica inovadora através de deteções por radiação na gama dos infravermelhos e deteção sensorial remota atmosférica. Uma caracterização que permitirá o estudo de exoplanetas como indivíduos e, o que é mais importante, como populações, com mais detalhes do que nunca.

Crédito: ESA/STFC RAL Space/UCL/Europlanet-Science Office

Estas missões irão manter a ESA na vanguarda da investigação de exoplanetas, muito para além da próxima década, e irão dar resposta à pergunta fundamental: quais são as condições para a formação do planeta e o aparecimento de vida?

Uma pergunta que muitos fazem e que Pedro Mota Machado, coordenador da equipa de investigadores portugueses, sublinha como sendo uma espécie de busca de um Graal no espaço.

"Esta é a pergunta para um milhão de euros. Obviamente que é com alguma dificuldade como está inerente à sua pergunta. Porque é que nós fazemos isto? Por isso precisamos de especialistas, por exemplo, como nós temos o nosso grupo especialistas que estudam as ligações das estrelas com os exoplanetas (…) que estão estão focados nas estrelas, mas ao mesmo tempo na ligação com os planetas que estão à volta. Por exemplo, os átomos que compõem este planetas obviamente terão alguma relação com a sua estrela mãe e isso é preciso estudar".

"Esta é uma das vertentes. Por outro lado, o que nós conhecemos mais hoje, em termos de atmosferas de planetas? As atmosferas do sistema solar, pois aí já há alguma exploração planetária, onde eu e minha colega Gabriela Gili somos especialistas em atmosferas dos planetas do Sistema Solar. Então vamos desenvolver esta sinergia entre o que nós sabemos, e os modelos que nós desenvolvemos um sistema solar para estudar estes exoplanetas", continuou o investigador.

"Mas também temos obviamente os nossos colegas que são especialistas na caracterização direta dos exoplanetas. (...) precisamos até de pessoas para nos ajudar estejam ligadas à química, mas também a uma pergunta, que se calhar está a passar na cabeça de muitas pessoas, que é, será que há vida? Será que nós vamos encontrar um planeta parecido com a Terra? Será que vamos encontrar bio marcadores, algo que esteja ligado com a possível existência de vida, pelo menos vida como nós a conhecermos. Então além de ter muitos astrofísicos do estudo do Instituto Astrofísica e Ciências do Espaço, precisamos da ajuda de uma astróbiologa, que neste caso é a professora Zita Martins, que nos vai ajudar a fazer este tipo de interpretações".

É, em suma, um projecto ambicioso que ainda agora está a dar os primeiros passos, mas que para Pedro Mota Machado será inovador e potenciador da marca Portugal: "O próprio desenvolvimento da indústria portuguesa. A parte mais visível da missão Ariel vai ser fabricada em Portugal, que é o envoltório do grande telescópio espacial. Vai ser feito cá por uma empresa portuguesa. Portanto quer dizer que na verdade nós temos aqui uma ligação, em que nós precisamos todos uns dos outros e as competências (…) e temos de estar sempre a conversar para desenvolver algo que ainda não existe. Mas em conjunto com os nossos parceiros e com a participação da NASA, que também está colaborar connosco, e com a JAXA, que é a Agência Espacial Japonesa, conseguimos convencer a Agência Espacial Europeia, neste caso, a criar e a avançar nesta missão".

Os métodos da missão Ariel
O método dos trânsitos consiste na medição da diminuição da luz de uma estrela, provocada pela passagem de um exoplaneta à sua frente (algo semelhante a um micro-eclipse). Através de um trânsito, é possível determinar apenas o raio do planeta. Este método é complicado, porque exige que o(s) planeta(s) e a estrela esteja(m) exatamente alinhado(s) com a linha de visão do observador.

Transito planetário - Foto: NASA

Metodo de ocultação. Uma ocultação é o fenómeno contrário a um trânsito, pois ocorre quando o planeta passa atrás da sua estrela, sendo ocultado por esta. Assim como num trânsito, com observações de alta resolução é possível detetar uma pequeníssima diminuição da totalidade da luz do sistema, devido à falta da luz refletida pela atmosfera do exoplaneta.

Ocultação planetária - Criação fotográfica NASA

Exoplanetas em "zonas habitáveis". Sinónimo de vida?
Na formação de um sistema solar, ou seja, a criação de um conjunto de astros em órbita de uma estrela, independentemente da sua classificação, existe sempre uma região que, perante os dados e exemplos da química terrestre, tem a capacidade de combinar uma série de elementos que possam ter condições para a formação de vida, tal como a conhecemos.

Ou seja, um planeta que esteja nessa "zona habitável", onde a temperatura proveniente da estrela não é muito quente, nem muito fria, poderá ter condições para a permanência de elementos favoráveis à vida.

No Sistema Solar, esta região está situada entre Vénus e Marte. Espaço onde também está o planeta Terra. Uma vez dentro dessa zona, a água líquida pode ser uma característica à superfície e a atmosfera amena é a ideal para manter essa caractéristica.


A partir daí, à semelhança do que aconteceu por cá, o desenvolvimento da vida tal como a conhecemos seria feita de CHONPS (carbono, hidrogénio, oxigénio, nitrogénio, fósforo e enxofre).

Para determinar a zona habitável de uma estrela, podemos seguir a fórmula:

R=(0.5⋅L4⋅π⋅σ⋅T4)0.5

Onde:

R = distância da estrela
L = A luminosidade da estrela em watts
T = A temperatura em Kelvin
σ = constante de Stefan-Boltzmann, que vale 5.67×10−8Wm−2K−4
π = 3.14159...

No Sistema Solar, a Terra é, que se saiba, o único planeta com vida. Os outros planetas rochosos, Vénus, Marte e Mercúrio não apresentam as mesmas condições.

Então e a Lua? Está na zona habitável, perto da Terra. As luas podem estar nestas zonas de habitabilidade especiais para as condições propícias da vida, mas não encontraram condições suficientes para serem grandes candidatas a vida. E a falta de uma atmosfera sólida pode ser um dos principais motivos.
Fora do Sistema Solar, haverá outros planetas com características equiparáveis às da Terra e dentro das zonas habitáveis em redor das respetivas estrelas.
"Quando nós chamamos zona habitável, não quer dizer que existem lá os marcianos verdes e os Et. Não, não é isso”, diz o investigador Pedro Mota Machado à RTP. "Falar da zona habitável quer dizer que as condições de pressão de temperatura são compatíveis com a existência de água liquida à superfície do planeta."

Condições que o investigador da IA & Ciências da ULisboa acredita existirem em exoplanetas. “Um cientista tem de manter sempre a mente aberta", refere Pedro Mota Machado, e "testar todas as hipóteses, baseando-se sempre na evidência cientifica e não em convicções. Algo que é fundamental para o desenvolvimento científico e para o bem da humanidade”.
Por agora, a vida nesses exoplanetas ainda é uma incógnita. A existir, pode ser muito semelhante à nossa ou também bastante diferente, visto que as características de cada planeta são únicas.

Tendo uma atmosfera eficiente e líquido à superfície, a vida desenvolver-se-á à medida que ocorram outros eventos químicos e biológicos em cada planeta.