Por fazer o jogo de Putin. Biden ameaça castigar Arábia Saudita

por RTP
Reuters

O presidente norte-americano ameaçou a monarquia saudita com "consequências" por ter recusado aumentar a produção de petróleo e, pior ainda, por ter decidido reduzi-la. A decisão é vista como um apoio ao esforço de guerra russo, por permitir ao Kremlin beneficiar de preços em alta do crude.

Joe Biden tinha deixado cair no esquecimento a promessa eleitoral de ostracizar Mohamed bin-Salman (vulgo MBS) pelo assassínio do jornalista Jamal Khashoggi e tinha mesmo empreendido uma viagem a Riaad, para convencer o príncipe herdeiro da coroa saudita a participar na guerra económica do Ocidente contra a Rússia. A viagem, criticada como traição à promessa eleitoral e como inútil humilhação do presidente norte-americano, não teve na altura qualquer efeito palpável. Escassas semanas depois, a sua inutilidade viu-se espectacularmente confirmada pela decisão pró-russa de MBS.

Biden reagiu desta vez com mal contida fúria: "Vai haver algumas consequências pelo que eles fizeram com a Rússia. Não vou entrar em detalhes do que penso ou do que tenho em mente. Mas vai haver - vai haver consequências". A declaração de Biden, apesar de vaga, assume um dramatismo inusitado, por anunciar uma viragem impensável até há pouco tempo. 

Ela não é, contudo, um episódio de incontinência verbal, para mais uma vez cair no esquecimento, porque já algumas horas antes o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, admitira que os EUA terão de "rever a relação bilateral com a Arábia Saudita e pensar se esta relação está onde deve e se está a servir os interesses da nossa segurança nacional". A isto acrescentou que a reavaliação é necessária "à luz da recente decisão da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], e da liderança da Arábia Saudita".

E, mesmo antes disso, o presidente democrata do comité de relações externas do Senado, Robert Menendez, já tinha ameaçado congelar a venda de armas e a cooperação securitária com a Arábia Saudita, acusando MBS de fazer o jogo de Putin "através do cartel da OPEP". Menendez afirmara também que "simplesmente não há margem para jogar com ambos os lados deste conflito. Não darei luz verde a qualquer cooperação com Riaad até que o reino reconsidere a sua posição a respeito da guerra na Ucrânia. Já basta o que basta". A aliança de produtores de petróleo OPEP+, liderada pela Arábia Saudita e pela Rússia, anunciou na semana passada o corte da produção em dois milhões de barris por dia – o maior corte desde a pandemia da covid-19. A decisão ajudará a sustentar o preço do petróleo, que, por sua vez, está a permitir financiar a invasão russa da Ucrânia.

O ministro saudita dos Negócios Estrangeiros, Faisal bin Farhan Al Saud, disse à Al Arabiya, uma rede televisiva saudita, que a decisão dos cortes de produção era “puramente económica”.

A secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, descreveu a decisão da OPEP como “inútil e imprudente” para a economia global, principalmente para os países em desenvolvimento.

“Estamos muito preocupados com os países em desenvolvimento e os problemas que eles enfrentam”, disse Yellen em entrevista ao Financial Times, no passado domingo.

Para além disso, o corte na produção prejudica os esforços liderados pelos EUA para tornar a guerra financeiramente insustentável para Vladimir Putin, ameaça uma economia global já fragilizada pelo conflito na Ucrânia e corre o risco de prejudicar Biden e os democratas com o aumento dos preços dos combustíveis a menos de um mês das eleições intercalares dos EUA.
"Golpe certeiro para os EUA"
Seth Binder – diretor de defesa do Pomed, um grupo que apoia a democracia no Médio Oriente – disse acreditar que as declarações de Kirby demonstram um sentimento de frustração por parte do governo com a decisão da Opep e da Arábia Saudita.

“Isto pode tornar-se um divisor de águas – salvo uma mudança na política saudita – semelhante ao assassinato brutal do jornalista saudita Jamal Khashoggi, particularmente para o Congresso, dado que força uma mudança no relacionamento dos EUA com a Arábia Saudita”, disse Binder, citado por The Guardian.

Um senador democrata, Richard Blumenthal, e um membro democrata do Congresso, Ro Khanna, expressaram sentimentos semelhantes num artigo de opinião para a plataforma digital Politico, onde também acusam a Arábia Saudita de minar os esforços dos EUA e ajudar a impulsionar a invasão da Ucrânia por Putin.

“A decisão saudita foi um golpe certeiro para os EUA, mas os EUA também têm uma maneira de responder: podem interromper prontamente a transferência maciça de tecnologia de guerra americana para as mãos ansiosas dos sauditas”, escreveram.


“Simplificando, os Estados Unidos não deveriam fornecer controlo tão ilimitado de sistemas de defesa estratégicos a um aparente aliado do nosso maior inimigo – o extorsionário com bombas nucleares, Vladimir Putin”.

Joe Biden já afirmou que irá analisar a lei de venda de armas à Arábia Saudita quando o Congresso voltar a reunir-se.

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