Polónia pode sair da União Europeia devido a reforma judicial, avisa o Supremo Tribunal polaco

por Andreia Martins - RTP
O Supremo Tribunal polaco alerta para os perigos da proposta de lei em discussão no Parlamento, que prevê que os juízes possam ser sancionados, ou até afastados, caso questionem a legitimidade de reformas judiciais propostas pelo Governo. Kacper Pempel - Reuters

O Supremo Tribunal da Polónia alertou esta terça-feira para os perigos de adoção de um projeto de lei tendo em vista punir os juízes que contestam reformas judiciais do Governo, avisando mesmo que a medida pode conduzir à saída do país do bloco europeu. A reforma judicial que o partido nacionalista conservador Lei e Justiça (PiS) quer aprovar no Parlamento é mais um dos pomos de discórdia entre Varsóvia e Bruxelas nos últimos anos.

O aviso ao Governo polaco chegou hoje do próprio sistema judicial da Polónia. Num documento com 40 páginas, o Supremo Tribunal considera que o projeto de lei poderá contrariar a lei europeia e exacerbar as tensões existentes com Bruxelas e, em última instância, levar o país a abandonar o bloco europeu.

“As contradições entre a lei polaca e a lei europeia vão levar a uma intervenção por parte das instituições europeias sobre a violação dos tratados europeus, e a longo prazo podem conduzir à necessidade de deixar a União Europeia”, lê-se na deliberação do Supremo Tribunal, citada pelas agências internacionais. 

Na prática, este projeto de lei - apresentado na semana passada pelos deputados do partido Lei e Justiça (PiS) e que deverá ser discutido esta semana no Sejm, o Parlamento polaco -, constitui uma “tentativa de forçar os juízes (…) a aplicar todos os regulamentos votados pela maioria no poder”, mesmo que um tribunal os considere “incompatíveis” com os mais altos padrões legais.  

Este plano prevê mesmo que os juízes possam ser sancionados, ou até afastados, caso questionem a legitimidade de reformas judiciais propostas pelo Governo, ou se, por exemplo, questionarem a legalidade da nomeação de outro juiz, ou o desenvolvimento “de atividades com características políticas” indefinidas que “possam prejudicar o funcionamento do sistema judicial”.  

O comunicado do Supremo Tribunal conclui ainda que a lei proposta está “evidentemente” desenhada para permitir ao Presidente Andrzej Duda, aliado do partido Lei e Justiça (PiS), a escolha de um novo líder daquela mesma instância antes das eleições presidenciais polacas, previstas para maio de 2020. Isto porque a nova lei pretende alterar a forma como o líder do Supremo Tribunal é nomeado.  

A juíza que lidera atualmente o Supremo Tribunal, Malgorzata Gersdorf, deverá sair em abril depois de quase cinco anos no cargo. Chegou ao poder ainda antes do PiS, em 2014, mas desde que o partido constituiu governo tem sido bastante crítica das reformas judiciais.  

Gersdorf pretende mesmo organizar uma reunião com todos os juízes a 17 de março para que estes possam participar no processo de escolha o novo líder do Supremo Tribunal. Aliás, esta não é a primeira vez que a juíza que lidera o Supremo Tribunal e o Governo polaco entram em confronto aberto.  

No poder desde 2015, o partido Lei e Justiça (PiS) foi reeleito este ano para um novo mandato. Desde que governa com maioria, o Governo tem sido acusado pela União Europeia de tentar politizar o sistema judicial. Já os deputados do PiS e o Governo argumentam que estas medidas têm apenas o intuito de tornar o sistema mais eficiente. 

Na passada segunda-feira, a Comissão Europeia anunciou que iria analisar este polémico projeto de lei e a possibilidade de o mesmo por em causa a independência judicial no país.  

Este tipo de ações por parte da Polónia, mas também da Hungria, no sentido de tentar controlar os media e o sistema judicial, tem levado a Comissão Europeia a encetar investigações que podem levar à suspensão de direitos de votação no contexto europeu.  

Em dezembro de 2017, a Comissão Europeia ativou pela primeira vez o Artigo 7 do Tratado da União Europeia em relação à Polónia, por entender que as reformas judiciais atentavam contra a separação de poderes. Meses antes, um perito da ONU concluía que a independência do sistema judicial polaco estava “sob ameaça”.  

A Polónia faz parte da União Europeia desde o grande alargamento de 2004 e o apoio à permanência no país continua a ser significativo - apesar dos problemas entre Varsóvia e Bruxelas em anos recentes – até porque é um dos Estados-membros que neste momento mais beneficia dos fundos europeus, em particular no apoio à agricultura e infraestruturas. 

Não obstante as reprensões e ações contra o Governo polaco e a existência de um artigo que prevê a saída de um país do bloco europeu – o Artigo 5 do Tratado da União Europeia que o Reino Unido ativou em março de 2017 - não existe qualquer mecanismo para a União Europeia suspender ou expulsar um Estado-membro. 

Em declarações à agência France Presse, Danuta Przywara, presidente da Fundação Hensiki para os Direitos Humanos na Polónia, a entrada em vigor deste texto marcaria “o fim da separação de poderes e o regresso ao poder único que experienciámos nos dias da Polónia comunista”. 

Num artigo de opinião, Diego Garcia-Sayán - enviado da ONU em questões relacionadas com a independência dos juízes e advogados - e José Igreja Matos – magistrado português que é atualmente presidente da Associação Europeia de Juízes – consideram que o novo projeto de lei “tenta por um fim definitivo às tentativas por parte de um abundante número de juízes polacos na defesa do Estado de Direito”.

“A nova regulação impõe sanções severas a juízes que se atrevam a defender a independência judicial”, apontam os dois responsáveis, acrescentando ainda que a “dureza das sanções visa criar um efeito ‘assustador’ em todos os membros do sistema judiciário, que são assim desencorajados a expressar pontos de vista críticos por medo de serem submetidos a medidas punitivas”, concluem.
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