Polónia pode sair da União Europeia devido a reforma judicial, avisa o Supremo Tribunal polaco
O Supremo Tribunal da Polónia alertou esta terça-feira para os perigos de adoção de um projeto de lei tendo em vista punir os juízes que contestam reformas judiciais do Governo, avisando mesmo que a medida pode conduzir à saída do país do bloco europeu. A reforma judicial que o partido nacionalista conservador Lei e Justiça (PiS) quer aprovar no Parlamento é mais um dos pomos de discórdia entre Varsóvia e Bruxelas nos últimos anos.
O aviso ao Governo polaco chegou hoje do próprio sistema judicial da Polónia. Num documento com 40 páginas, o Supremo Tribunal considera que o projeto de lei poderá contrariar a lei europeia e exacerbar as tensões existentes com Bruxelas e, em última instância, levar o país a abandonar o bloco europeu.
“As contradições entre a lei polaca e a lei europeia vão levar a uma intervenção por parte das instituições europeias sobre a violação dos tratados europeus, e a longo prazo podem conduzir à necessidade de deixar a União Europeia”, lê-se na deliberação do Supremo Tribunal, citada pelas agências internacionais.
Este plano prevê mesmo que os juízes possam ser sancionados, ou até afastados, caso questionem a legitimidade de reformas judiciais propostas pelo Governo, ou se, por exemplo, questionarem a legalidade da nomeação de outro juiz, ou o desenvolvimento “de atividades com características políticas” indefinidas que “possam prejudicar o funcionamento do sistema judicial”.
O comunicado do Supremo Tribunal conclui ainda que a lei proposta está “evidentemente” desenhada para permitir ao Presidente Andrzej Duda, aliado do partido Lei e Justiça (PiS), a escolha de um novo líder daquela mesma instância antes das eleições presidenciais polacas, previstas para maio de 2020. Isto porque a nova lei pretende alterar a forma como o líder do Supremo Tribunal é nomeado.
A juíza que lidera atualmente o Supremo Tribunal, Malgorzata Gersdorf, deverá sair em abril depois de quase cinco anos no cargo. Chegou ao poder ainda antes do PiS, em 2014, mas desde que o partido constituiu governo tem sido bastante crítica das reformas judiciais.
Gersdorf pretende mesmo organizar uma reunião com todos os juízes a 17 de março para que estes possam participar no processo de escolha o novo líder do Supremo Tribunal. Aliás, esta não é a primeira vez que a juíza que lidera o Supremo Tribunal e o Governo polaco entram em confronto aberto.
No poder desde 2015, o partido Lei e Justiça (PiS) foi reeleito este ano para um novo mandato. Desde que governa com maioria, o Governo tem sido acusado pela União Europeia de tentar politizar o sistema judicial. Já os deputados do PiS e o Governo argumentam que estas medidas têm apenas o intuito de tornar o sistema mais eficiente.
Este tipo de ações por parte da Polónia, mas também da Hungria, no sentido de tentar controlar os media e o sistema judicial, tem levado a Comissão Europeia a encetar investigações que podem levar à suspensão de direitos de votação no contexto europeu.
Em dezembro de 2017, a Comissão Europeia ativou pela primeira vez o Artigo 7 do Tratado da União Europeia em relação à Polónia, por entender que as reformas judiciais atentavam contra a separação de poderes. Meses antes, um perito da ONU concluía que a independência do sistema judicial polaco estava “sob ameaça”.
A Polónia faz parte da União Europeia desde o grande alargamento de 2004 e o apoio à permanência no país continua a ser significativo - apesar dos problemas entre Varsóvia e Bruxelas em anos recentes – até porque é um dos Estados-membros que neste momento mais beneficia dos fundos europeus, em particular no apoio à agricultura e infraestruturas.
Não obstante as reprensões e ações contra o Governo polaco e a existência de um artigo que prevê a saída de um país do bloco europeu – o Artigo 5 do Tratado da União Europeia que o Reino Unido ativou em março de 2017 - não existe qualquer mecanismo para a União Europeia suspender ou expulsar um Estado-membro.
Em declarações à agência France Presse, Danuta Przywara, presidente da Fundação Hensiki para os Direitos Humanos na Polónia, a entrada em vigor deste texto marcaria “o fim da separação de poderes e o regresso ao poder único que experienciámos nos dias da Polónia comunista”.
Num artigo de opinião, Diego Garcia-Sayán - enviado da ONU em questões relacionadas com a independência dos juízes e advogados - e José Igreja Matos – magistrado português que é atualmente presidente da Associação Europeia de Juízes – consideram que o novo projeto de lei “tenta por um fim definitivo às tentativas por parte de um abundante número de juízes polacos na defesa do Estado de Direito”.