Polónia. Governo quer criar registo centralizado de gravidezes e abortos

por Joana Raposo Santos - RTP
Depois de, em janeiro, a nova lei do aborto ter entrado em vigor na Polónia, milhares de pessoas saíram às ruas para lutarem pelos direitos das mulheres. Adam Warzawa - EPA

Na Polónia, onde uma nova lei do aborto entrou em vigor no início deste ano, o Governo está a planear a criação de uma base de dados de todas as gravidezes do país. O objetivo é obrigar os médicos a reportarem cada gravidez e cada aborto espontâneo, apertando ainda mais o cerco aos profissionais e às mulheres.

Caso a proposta siga em frente, deverá entrar em vigor já em janeiro de 2022, precisamente um ano depois de a Polónia ter aprovado aquela que é a mais restritiva lei do aborto de sempre no país.

Segundo essa lei, as interrupções voluntárias da gravidez passaram a ser permitidas apenas em casos de violação, incesto ou quando a vida da mãe está em perigo. A aprovação deu origem a enormes protestos por todo o país.

Agora, ativistas dos direitos das mulheres temem que a nova proposta de lei venha causar ainda mais problemas às mulheres que têm abortos espontâneos ou que interrompem voluntariamente a gravidez. “É sobre controlo. É sobre garantir que cada gravidez dá origem a um nascimento”, criticou a ativista Natalia Broniarczyk a um jornal polaco.

A proposta de lei já está a dar origem a vários protestos, por enquanto apenas online. Uma iniciativa nas redes sociais com o título “Gostaria de informar gentilmente que não estou grávida” tem incentivado as mulheres a enviarem fotografias dos seus produtos de higiene feminina utilizados por e-mail para o Ministério da Saúde.
Governo polaco defende-se
Em sua defesa, o executivo polaco já esclareceu que a intenção de fazer as gravidezes e abortos serem registados num sistema informático está incluída num projeto de atualização dos sistemas de informação do país.

O próprio Ministério da Saúde negou que a proposta esteja relacionada, em particular, com um registo centralizado de gravidezes, frisando que se trata apenas de um projeto de digitalização das informações de saúde, que podem ser de todo o tipo, como alergias ou problemas cardíacos.

Um porta-voz do Ministério salientou que os médicos sempre tiveram documentação sobre as gravidezes, mas que esta tem sido armazenada em papel nos hospitais. A ideia é que passe a constar em formato digital numa base de dados do Governo.
Instituto do Governo quer controlar quem “fuja ao modelo familiar”
As preocupações dos ativistas quando a este registo centralizado aumentaram depois de, recentemente, o Parlamento ter passado uma outra proposta de lei para estabelecer um “Instituto da Família e da Demografia”.

Esse instituto, caso venha a ser criado, irá monitorizar as políticas relativas às famílias, dar opinião sobre legislação e educar cidadãos para “o papel vital da família para a ordem da sociedade” e para a importância da “reprodução sociocultural”.

Para tal, essa entidade passaria a ter acesso aos dados pessoais dos cidadãos e ganharia poderes na área da legislação familiar, podendo mesmo avançar com acusações contra indivíduos.

Muitos ativistas estão a comparar o atual cenário polaco relativamente às mulheres ao romance (adaptado em anos recentes à televisão) “Handmaid’s Tale”, uma distopia na qual as mulheres são escravizadas e forçadas a engravidar para garantir a sobrevivência da espécie humana.

Adam Bodnar, antigo responsável da Provedoria para os Direitos dos Cidadãos, afirmou a um site de notícias polaco que a criação de um Instituto da Família “seria uma ferramenta contra quem fuja ao modelo familiar”, nomeadamente “quem não se conforme com as normas heterossexuais”.

Depois de, em janeiro, a nova lei do aborto ter entrado em vigor na Polónia, milhares de pessoas saíram às ruas para lutarem pelos direitos das mulheres. Já em novembro deste ano, as manifestações reacenderam depois de uma mulher polaca ter morrido aos 30 anos por choque séptico, após a sua equipa médica a ter impedido de abortar.

Os ativistas alertam que, tal como nesse caso, muitos outros médicos têm optado por esperar que o feto morra no útero em vez de realizarem um aborto, uma vez que a nova lei prevê uma pena de até oito anos de prisão para quem ajude uma mulher a abortar ilegalmente.
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