Polícia confirma autenticidade do Diário de Anne Frank

por Agência LUSA

A polícia judiciária federal alemã (BKA) confirmou esta semana, após muitas solicitações, a autenticidade do Diário de Anne Frank, contestada por neonazis, com base numa peritagem feita em 1980.

O Centro Anne Frank, em Berlim, foi uma das instituições que voltou a exigir recentemente uma tomada de posição clara da BKA sobre o referido parecer, depois de ter processado vários neonazis por terem posto em causa a autenticidade do Diário.

Satisfeito com o esclarecimento da BKA, o director do Centro, Thomas Heppener, disse esperar que fiquem agora "dissipadas todas as dúvidas" sobre a autenticidade do livro.

No seu Diário, Anne Frank, uma menina judia que morreu de tifo, em Fevereiro/Março de 1945, com apenas 15 anos, (a data exacta da sua morte não é conhecida), em Bergen-Belsen, poucas semanas antes de este campo de concentração nazi ser libertado por tropas norte- americanas, descreve como a família se escondeu numa casa em Amesterdão, na Holanda, até ser deportada para Auschwitz-Birkenau.

O livro, que faz parte de muitos programas escolares em todo o mundo, é um símbolo da educação democrática e antifascista do pós- guerra, e serviu já para consciencializar milhões de jovens.

Num comunicado à imprensa datado de quarta-feira, a BKA sublinha que a peritagem feita em 1980 pelo seu Instituto de Técnica Criminal "não pode ser invocada para pôr em causa a autenticidade do Diário de Anne Frank".

O parecer em questão foi elaborado no âmbito de um julgamento que decorreu em Hamburgo, mas segundo a BKA "não se destinava a pôr em causa a autoria do Diário, e sim a apurar se o material usado, papel e lápis, já existia durante a II Guerra Mundial, o que os especialistas, aliás, confirmaram".

No mesmo parecer, apenas se refere também que algumas correcções, sem se especificar quais, foram feitas com pasta de esferográfica só existente a partir de 1951.

Um artigo publicado em 1980 no semanário "der Spiegel", com base na referida peritagem, e em que se afirmava que "o que emocionou o mundo não foi escrito pela mão de Anne Frank", serviu, no entanto, de pretexto a neonazis para passarem a falar de uma falsificação.

Na verdade, segundo David Barnoyuw, do Instituto Holandês da Documentação de Guerra, considerado o maior especialista na matéria, os escritos de Anne Frank apenas foram resumidos e compilados pelo pai e pelos leitores da editora que publicou o Diário.

O próprio Barnouw publicou, em 1986,a versão integral do Diário, criticada e comentada, e garantiu repetidamente que só a paginação de uma parte do manuscrito foi mais tarde acrescentada a esferográfica.

Além disso, segundo o mesmo perito, há dois fragmentos de papel que não provêm da mão de Anne Frank, e foram mais tarde apensos ao Diário. "Se eu encontrar a Magna Carta e escrever nela alguma coisa a esferográfica, não deixa de ser a Magna Carta", resumiu Barnouw, em declarações ao jornal Frankfurter Allgemeine.

O Diário de Anne Frank foi encontrado já depois do fim da II Guerra Mundial por trabalhadores de uma firma no prédio de Amesterdão onde a família se escondeu dos nazis, e publicado em livro pelo pai, Otto Frank (1889-1980), único membro da família que sobreviveu ao Holocausto.

Logo a seguir à publicação do Diário, em 1947, círculos neonazis puseram em causa a sua autenticidade, e Otto Frank moveu vários processos judiciais por calúnia e difamação contra os autores de tais afirmações.

Há duas semanas, em meados de Julho, simpatizantes neonazis queimaram um exemplar do Diário de Anne Frank e outros livros de escritores antifascistas em Pretzien, no leste da Alemanha, imitando assim a famosa queima de livros de escritores democráticos levada a cabo pelos nazis em várias cidades alemãs, a 10 de Maio de 1933.

O incidente em Pretzien, que só foi revelado dias depois, mas causou grande indignação nos meios democráticos alemães, está a ser investigado pelo Ministério Público de Magdeburgo.

Na altura, o caso foi registado pela polícia local como simples "perturbação da ordem pública".

Dois dos agentes da lei justificaram posteriormente a sua passividade face à queima de livros pelos neonazis com o facto de desconhecerem que era o Diário de Anne Frank, mas a atitude da polícia está agora também a ser alvo de inquérito judicial.

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