O primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, acusou hoje o setor da Justiça de ter deixado de "inspirar confiança" junto da sociedade e de dar a entender que a corrupção só acontece em "determinado segmento".
"Tem acontecido, nestes anos, uma perceção manifestamente resultante das atuações do sistema judicial, de que a corrupção só existe ou só pode provir de atos praticados, por um determinado segmento da sociedade, uma situação, diríamos politizada e `legalizada` pelos detentores da Lei, por via da qual num prato da balança da justiça, havia os perseguidos e, no outro, os impunes de qualquer culpa", afirmou Xanana Gusmão.
O primeiro-ministro timorense discursava na cerimónia de encerramento do curso de especialização em criminalidade económica e financeira para magistrados judiciais de Timor-Leste, que decorreu numa unidade hoteleira em Díli.
"A corrupção não provém apenas de `roubo` dos dinheiros públicos, a corrupção manifesta-se, muitas vezes, no consentimento revelado, consciente ou inconscientemente, pelos atores judiciários que criam a impressão, na sociedade, de que a `lei` afinal protege interesses individuais e coloca os interesses de amigos e partidários, acima dos interesses do Estado", sublinhou Xanana Gusmão.
No discurso, o primeiro-ministro timorense criticou também a atuação do anterior Governo, que mudou o sistema financeiro e permitiu o "uso abusivo de transferências públicas, ao gosto das pessoas, sem provar corretamente para que atividade, não se conseguindo assim saber o que já foi ou que não foi feito".
"Instituições como a Comissão da Função Pública, como a Inspeção Geral do Estado e da Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça, a Comissão Anticorrupção e o Ministério Público, deveriam atuar, neste plano de monitorização e fiscalização, como as armas do Estado no combate às práticas, abusivamente ilícitas", frisou.
O primeiro-ministro timorense disse também que desde julho tem vindo a "identificar todas as irregularidades" e que o Governo vai proceder à correção das mesmas, salientando que os últimos meses foram gastos a "limpar a casa".
"Já afirmei, e no próprio parlamento, que a nossa ação não tem nenhum objetivo retaliatório e não é nossa intenção levar estes casos à Justiça, não só porque levaria anos a decidir ou a não decidir, como pela razão de que o Sistema de Justiça deixou de inspirar confiança na sociedade", disse.
Xanana Gusmão referiu também a condenação pelo tribunal de Díli da antiga ministra das Finanças Emília Pires, considerando que foi condenada com base numa "falsa acusação do Ministério Público".
O que, para o primeiro-ministro timorense, "demonstrou apenas uma grave e tendenciosa manipulação de factos".
"Ela foi falsamente acusada de unipessoalmente decidir pela compra de camas pediátricas para o Hospital Nacional Guido Valadares. E eu tenho de clarificar isto, porque não aceitei, desde o início, e continuo a não aceitar a falta da capacidade analítica do sistema judicial e a simplicidade rotineira dos atores judiciais, de olhar para os casos, comprovada também em vários outros assuntos de diferentes áreas, levando o sistema da Justiça a definir-se como incapaz e injusto e, pela sociedade, tido como demasiado vulnerável à pressão de terceiros", afirmou.
Após tomar posse, o atual Governo timorense criou um grupo de trabalho para a reforma do setor da Justiça, liderado pela antiga ministra da Justiça Lúcia Lobato, também condenada pelo tribunal de Díli a três anos de prisão por participação económica em negócio, mas que acabou por ser absolvida pelo Tribunal de Recurso.