Pentágono investigou se Covid-19 surgiu em laboratório mas resultados foram "inconclusivos"

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Shannon Stapleton - Reuters

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos disse na terça-feira ter investigado "seriamente" a teoria de que o novo coronavírus teve origem num laboratório em Wuhan, mas revela que as evidências até agora são "inconclusivas" e parecem apontar para uma causa natural. Esta é uma das várias teorias sobre a origem da Covid-19.

A verdadeira origem do novo coronavírus ainda não é conhecida. Os factos são que surgiu em dezembro, na cidade chinesa de Wuhan, e que no espaço de poucos meses se disseminou por todo o mundo e levou a Organização Mundial de Saúde a declarar pandemia. Mas existe ainda uma grande incerteza relativamente à origem deste vírus, nomeadamente a espécie que foi responsável por transmitir a Covid-19 ao ser humano.

Apesar da incerteza, existem várias teorias quanto à história deste vírus e algumas delas incriminam os seres humanos. Há quem defenda que o novo coronavírus foi feito em laboratório e que a sua disseminação foi um acidente, mas também existem aqueles que acreditam que foi mesmo intencional e utilizado como uma arma biológica produzida pela China.

Acerca desta última suposição, os investigadores são unânimes e explicam que não existem evidências que comprovem a teoria de que o Governo chinês, ou qualquer outro, tenha concebido o vírus de forma intencional.

Por sua vez, a teoria de que se tratou de um acidente em laboratório é considerada credível para alguns investigadores.

"A possibilidade de o vírus contaminar humanos através de um acidente de laboratório não pode nem deve ser descartada", disse à CNN Richard Ebright, professor de biologia química e especialista em armas biológicas da Universidade Rutgers, nos EUA.

O Pentágono diz ter investigado “seriamente” esta mesma teoria de que o novo coronavírus teve origem num laboratório em Wuhan, mas revela que as evidências até agora são “inconclusivas”.

“Nesta altura é inconclusivo, embora as evidências pareçam indicar uma causa natural. Não sabemos ainda ao certo”, revelou o general Mark Milley durante uma conferência de imprensa na terça-feira.

O Pentágono não revelou pormenores sobre estas suspeitas de origem do novo coronavírus num laboratório na China, mas, no mesmo dia, o Washington Post publicou um artigo onde explica que vários funcionários norte-americanos já tinham alertado para problemas de segurança num laboratório em Wuhan que desenvolvia estudos sobre o coronavírus de morcegos.

Segundo o artigo, dois anos antes do início desta pandemia, funcionários da Embaixada dos EUA visitaram diversas instalações de pesquisa na cidade de Wuhan, na China, e enviaram duas advertências oficiais a Washington sobre segurança inadequada no Instituto de Virologia de Wuhan.

“Durante as interações com os cientistas do laboratório, eles observaram que o novo laboratório tem uma séria escassez de técnicos e investigadores com as competências adequadas, necessários para operar com segurança este laboratório de alta contenção”, escreveram dois funcionários norte-americanos num relatório de 2018 citado pelo jornal.

“Principalmente, os investigadores também mostraram que vários coronavírus do tipo SARS podem interagir com o ACE2, o recetor humano identificado pelo SARS”, escreviam ainda na mesma mensagem. “Esta descoberta sugere fortemente que os coronavírus tipo SARS dos morcegos podem ser transmitidos aos seres humanos”, concluíam.
Os morcegos
Os morcegos, precisamente, foram a primeira teoria quanto à origem do novo coronavírus. A hipótese de que o vírus se tenha originado num mercado de alimentos e animais vivos em Wuhan, tendo sido posteriormente transmitido para o ser humano por via de um morcego, é considerada como mais plausível pelos cientistas.

"É a explicação mais simples, óbvia e provável", disse à CNN Simon Anthony, professor da faculdade de Saúde Pública da Columbia University e membro-chave do PREDICT, um programa global financiado pelo governo federal que investiga vírus em hospedeiros de animais com potencial pandémico.

Stephen Turner, chefe do departamento de microbiologia da Universidade Monash de Melbourne, na Austrália, também concorda com Anthony na premissa de que o vírus se terá originado nos morcegos. Mas essa é a sua única certeza neste campo. Sobre a hipótese de que o vírus terá emergido a partir do contacto entre um animal e o ser humano, Turner considera que “não é, de forma alguma, conclusivo”.

Para explicar este seu argumento, o professor de microbiologia lembra que este tipo de vírus (coronavírus) circula, geralmente, no reino animal. Os coronavírus são uma larga família de vírus que vivem noutros animais, nomeadamente morcegos, aves e pequenos mamíferos. A grande maioria dos tipos deste vírus não chegam sequer a infetar seres humanos. Até ao momento, apenas são conhecidas seis estirpes de coronavírus entre os milhares existentes que são transmitidas para pessoas.

O facto de o vírus ter infetado um tigre num jardim zoológico de Nova Iorque, demonstra como o vírus se pode transferir entre espécies. “Perceber a variedade de espécies que este vírus pode infetar é importante, uma vez que nos ajuda a restringir a sua origem”, explica Stephen Turner ao jornal britânico The Guardian.
Incertezas quanto ao hospedeiro
A razão para a maior credibilidade da teoria dos morcegos prende-se também ao facto de ter sido confirmado que a estrutura genética do novo coronavírus (SARS-CoV-2) apresenta fortes semelhanças com os coronavírus encontrados em morcegos.

Investigadores concluíram que o genoma do novo coronavírus é 80 por cento idêntico ao da SARS, o vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave, identificado em 2020, na Ásia. Neste tipo de vírus (SARS-CoV), os morcegos foram a origem mais provável, que dispersou posteriormente para os gatos-da-algália, que eram vendidos para confeção de alimentos.

Os cientistas consideram, por isso, altamente provável que os morcegos estejam na origem da Covid-19, mas defendem a hipótese de que também tenha passado por um animal intermediário antes de infetar seres humanos, à semelhança do SARS.

É a partir desta teoria que surgiram os pangolins. Estes mamíferos em vias de extinção são comercializados ilegalmente em todo o mundo, valorizados pela sua carne em certas culturas e pelas propriedades medicinais.

Com base numa análise genética, vários estudos consideram plausível a hipótese de os pangolins terem sido os hospedeiros intermediários do novo coronavírus, mas aqui também existem incertezas. Outros estudos apresentam respostas contraditórias e não existe até ao momento um consenso.

“Se o pobre pangolim foi a espécie em que o vírus saltou, não está claro”, disse Stephen Turner. “Ou está combinado com outra coisa, combinado num pobre pangolim, ou saltou para as pessoas e evoluiu nas pessoas”, explica.

Edward Holmes, da Universidade de Sidney, é um dos autores de um estudo da revista Nature que investigou as possíveis origens do vírus, analisando o seu genoma. Na sua conta do Twitter, Holmes escreveu que “o hospedeiro intermediário ainda é incerto”.
O mercado de Wuhan
As opiniões também divergem relativamente à teoria de que a Covid-19 surgiu no mercado de Wuhan, na China. Aqueles que não concordam com esta hipótese, sustentam o seu ponto de vista num estudo onde é demonstrado que muitos dos primeiros infetados não tinham tido exposição direta aos mercados.

O estudo em questão, publicado na revista científica The Lancet, concluiu que dos 41 pacientes iniciais, apenas 27 dizem ter estado em contacto direto com o mercado de Wuhan. Na mesma análise é concluído que o primeiro caso conhecido diz não ter tido contacto com o mercado.

Neste âmbito, no estudo da revista Nature, é sugerida uma outra teoria: uma estirpe do vírus poderá ter sido transferida diretamente ao ser humano e foi-se adaptando à medida que foi transmitido de pessoa para pessoa.

“Uma vez adquiridas, essas adaptações permitiram que a pandemia alastrasse e produzisse um conjunto suficientemente grande de casos para acionar o sistema de vigilância que a detetou”, diz o estudo.

Stanley Perlman, imunologista da Universidade de Iowa, nos EUA, e especialista em surtos anteriores do coronavírus, contradiz esta mesma teoria, argumentando que estas “adaptações” no ser humano sugeridas pelo estudo da Nature não foram verificadas na realidade.

Suspeito que qualquer evolução [do vírus] ocorreu no animal intermediário, se existiu algum. Não houve mudanças substanciais no vírus nos três meses da pandemia, indicando que o vírus está bem adaptado aos seres humanos”, explica Perlman a The Guardian.
China censura pesquisas
Numa altura em que vários investigadores procuram responder a várias questões sobre o SARS-CoV-2, a China está a ser acusada de censurar pesquisas sobre a origem do novo coronavírus.

De acordo com a revista americana Newsweek, a Universidade de Geofísica da China, com sede em Wuhan, indica que os regulamentos foram atualizados para que todos os estudos precisem da aprovação do Ministério da Ciência e Tecnologia da China antes de serem publicados.

"Os trabalhos académicos sobre o rastreamento do novo coronavírus devem ser revistos pelo comité académico da escola antes da publicação, para perceber a autenticidade do artigo e se é adequado para publicação", dizem os regulamentos.

"Depois de a revisão ser aprovada, a escola reporta ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Só pode ser publicado após a revisão do Ministério da Ciência e Tecnologia", sublinham.

Em fevereiro, The New York Times também publicava um vídeo onde diferentes cidadãos chineses, em anonimato, acusavam as autoridades chinesas de censura nos relatórios acerca da epidemia e de remover da Internet as pesquisas relacionadas com a Covid-19.

A Covid-19 já infetou mais de dois milhões de pessoas em todo o mundo e o número de mortes supera os 130 mil.
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