Paxlovid. Doentes tratados com antiviral da Pfizer voltam a ter covid-19 com sintomas graves

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

Nos últimos meses, muitos doentes com sintomas graves da covid-19 têm sido tratados, nos Estados Unidos, com o antiviral Paxlovid. Embora os estudos sobre este medicamento sejam recentes, considerando que o mundo enfrenta a doença há pouco mais de dois anos, os resultados têm mostrado que a maioria dos pacientes em tratamento consegue curar-se sem necessitar de hospitalização. Contudo, os especialistas estão intrigados com o crescente número de casos de doentes tratados com este antiviral que, pouco depois da recuperação, voltam a testar positivo ao SARS-CoV-2 apresentando sintomas da doença.

O Paxlovid tem demonstrado ser altamente eficaz a tratar a covid-19 e evitar o internamento, mas há cada vez mais relatos de pacientes que após o tratamento com este antiviral da Pfizer ficam novamente doentes devido ao coronavírus.

A questão está a intrigar a comunidade científica e a levantar dúvidas: as pessoas que voltam a ter sintomas continuam a transmitir o vírus ou não.

Gregg Crumley é um dos doentes que voltou a testar positivo e a ter sintomas depois do tratamento. Ao Washington Post, o biólogo molecular reformado de 71 anos esteve num congresso em março e, uns dias depois, começou a sentir dores de garganta e congestão nasal. Decidiu fazer um autoteste e acusou positivo à covid-19. O médico receitou-lhe o tratamento de cinco dias com Paxlovid para prevenir um agravamento dos sintomas.

No último dia de toma do medicamento, Crumley praticamente não tinha sintomas e nos três dias seguintes realizou testes diários, sempre negativo.


Crumley estava vacinado e tinha recebido dose de reforço antes de ficar infetado com SARS-CoV-2, por isso, quando voltou a sentir-se mal, dias depois de ter recuperado da covid-19, achou que seriam apenas efeitos secundários da resposta imunitária do seu organismo. Mas, à medida que os sintomas se foram agravando, a desconfiança levou o biólogo a fazer novo teste à covid-19. Para seu espanto, testava novamente positivo.
Covid-19 pela segunda vez em pouco tempo

As recaídas de vários pacientes após tomarem Paxlovid está a preocupar os cientistas. No Twitter, médicos e pacientes têm debatido o assunto.



Para a comunidade científica, este é mais um enigma do novo coronavírus e uma prova de que há ainda muito para se perceber sobre o SARS-CoV-2.

Para os infecciologistas, sendo real, este fenómeno é, ainda assim, raro. Não há ainda dados concretos sobre a frequência ou razão por que os doentes têm recaídas ou como agir nestes casos. A única coisa que consideram relevante, para já, é avisar todos os utentes que tomem o antiviral de que é possível que voltem a ter covid-19 e que, caso se sintam mal ou com sintomas após o tratamento, devem realizar novo teste.

Também Michael Henry, de 31 anos, testou positivo pela primeira vez no inicío de abril e, após o tratamento com o antiviral da Pfizer, teve uma recaída.

"Fiquei um poucou chocado", disse Henry à NBC News relativamente ao segundo teste positivo. "Não há orientação sobre o que fazer. Devo isolar-me? O que faço para manter a minha família segura?”.

O Paxlovid é prescrito desde dezembro, quando a Food and Drug Administration (FDA) autorizou o uso de emergência para pessoas com alto risco de desenvolver doença grave. O tratamento de cinco dias tem reduzido o risco de hospitalização ou morte em 88 por cento dos casos. Na segunda-feira, a Casa Branca anunciou ainda que vai reforçar o número de locais onde Paxlovid está disponível, já que muitas das doses não foram utilizadas.

“Ainda há muito por saber sobre a covid-19 e a melhor forma de a tratar”, disse ao jornal Clifford Lane, vice-diretor de investigação clínica e projetos especiais do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas.

“Estes casos obrigam-nos a reexaminar duração das terapias, abordagens de tratamento e outros testes de laboratório que podemos usar para prever quem pode beneficiar de tratamentos mais prolongados", continuou.
Resistência antiviral?

Uma das principais preocupações que acompanham os medicamentos antivirais é a ameaça de resistência quando o vírus evolui para sobreviver ao tratamento. Numa pesquisa das autoridades de saúde pública norte-americanas concluiu-se que com o medicamento da Pfizer o vírus recuperava em vários indivíduos após 10 a 14 dias do tratamento. Contudo, não se encontraram provas de que o vírus fosse resistente ao tratamento.

Michael E. Charness, chefe de equipe do VA Boston Healthcare System, publicou um estudo de caso detalhado de um paciente de 71 anos que teve uma recaída. Quando reapareceram os sintomas, uma semana depois de ter recuperado da covid-19, os investigadores sequenciaram o código genético do vírus e descobriram que era o mesmo vírus que tinha voltado, o que os levou a descartar o surgimento de uma variante ou de um vírus a tornar-se mais resistente.

Estas conclusões levantaram novas dúvidas: o tratamento devia ser prolongado ou aplicado apenas em casos específicos.

“Se há um ressurgimento da carga viral, e isso acontece no dia 10, quando o CDC diz que pode voltar ao trabalho, sem máscara, o que se deve fazer quanto ao isolamento? Está de novo contagioso?”, questionou Michael E. Charness. “À pessoa que estávamos a estudar aconselhámos o isolamento até que a carga viral desaparecesse pela segunda vez”.

A Pfizer está a analisar os casos e a recolher dados, em ensaios clínicos e na monitorização real do uso do medicamento. Os dados do estudo da empresa indicam que há um aumento tardio na carga viral em algumas pessoas, mas as taxas parecem ser as mesmas entre os participantes do estudo que receberam placebo.

Além disso, muitas pessoas que não fizeram qualquer tratamento antiviral estão a ter recaídas, o que sugere que não será apenas o Paxlovid a facilitar estas reinfeções.

Segundo os especialistas, tal pode significar que algumas pessoas permanecem infectadas mais tempo do que se pensava.


“Não vimos nenhuma resistência ao Paxlovid e continuamos muito confiantes na sua eficácia clínica”, escreveu o porta-voz da Pfizer, Kit Longley.
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